UM CANTOR QUE NÃO DEU CERTO

Da série:Memórias  da  minha  rua


Um grande pomar,um riacho de águas límpidas...
Do outro lado do riacho,campina a perder de vista (a isto,os gauchos denominam "coxilha")
Pingada na coxilha,uma única casa.
Nesta casa,morava a minha namoradinha de infância
[ Um quase final de infância.Seria o cruzar a ponte para a puberdade ]
Começo de noite de um domingo qualquer em 1964.
Meus doze anos, vibrando !
No fundo do quintal...Eu cantava para Marilda(este era o seu nome)
Na  verdade eu cantava sempre e adorava quando ouvia em retorno a sua voz dizendo:
-Que lindo !
[Eu acreditava rsrs...]
Porém,naquele domingo,mais que cantar para a menina das coxilhas,eu fazia questão de  "exibir-se" para o senhor Adriano,amigo de meu pai.
Adriano era um exímio cantor,com apresentações em programas de rádio,nos clubes,jantares e reuniões da sociedade Iratiense.
Todos os domingos,Adriano e mais alguns amigos,apareciam em nossa casa para jogar cartas com meu pai.
Empostei a voz em meio ao emaranhado de amoreiras e incorporei Agnaldo Rayol e seu maior sucesso da época.
"A Praia".
Na verdade,naquela fase eu tinha cacife de voz para alcançar com facilidade as notas da canção.
A boca da noite mordendo o fim de tarde e o projeto de tenor se esguelando para Marilda e Adriano:
"E de repente o amor//Aconteceu...//Unindo para sempre//Você e eu..."
Do outro lado do rio veio o famoso "Que lindo!"
No entorno da mesa de jogatina o elogio de Adriano (soube depois por meu pai)
"Este piá tem futuro ! Vou leva-lo para a Difusora".
Na tarde do sábado seguinte,lá estava eu ensaiando para apresentação no programa de  auditório que ia ao ar nas manhãs de domingo.
Tremi nas bases,mas encarei.
Adriano escolhera uma canção de Adilson Ramos(Sonhar contigo) para que eu a "interpretasse".
Eufórica,minha mãe contactou todas as tias e comadres pela vizinhança para que me ouvissem cantando na rádio no programa "Rádio Atrações".
Manhã de domingo.Todo cheirosão,lá estava eu aguardando o momento em que seria chamado.
Auditório repleto.Aplausos,vaias...Tinha de tudo!
Eu rezando para não ser chamado.Deus ouvira minhas preces.Uma dupla sertaneja apareceu de algum lugar e "mordeu" o tempo dos demais cantantes.
O retorno pra casa sucedeu-se à pedaladas em minha primeira bicicleta.
Na chegada as repostas ao longo interrogatório do "porquê não cantastes?"
Frustei minha mãe,minhas tias,as comadres,a vizinhança...
No fundo estava me sentindo leve,havia passado um senhor de um cagaço temendo subir naquele palco,encarar aquele auditório.
Depois disso,o senhor Adriano não mais me incentivou (creio ter reconhecido que eu não dava pedal,como se diz no popular)
Independente disso,continuei cantando tôdas as tardinhas.
Marilda havia se mudado e na casa que lhe pertencera morava apenas a lembrança daquele incentivo diário:
"Que lindo !"

PS.Administro no facebook um grupo denominado "Irati Nosso Chão",onde tentamos resgatar um pouco da história de nossa cidade.
Dia desses apareceu a postagem desta foto dos anos 60,que mostra o auditório da saudosa Rádio Difusora e o programa "Rádio Atrações",no qual eu estive predestinado a me apresentar um dia.(E  não fui  bem  sucedido  rsrs...)