Livros Usados
Leitores, hoje teve show do Toquinho aqui em Fortaleza. Claro que eu fui. Desde novinha gosto de suas músicas, principalmente daquelas feitas em parceria com Vinícius de Moraes. O que estava marcado para as 17h começou às 19:30 mas valeu a pena esperar. Toquinho cantou lindas canções, "E por falar em saudade", "Eu sei que vou te amar", "Samba de Orly", dentre outras que eu sei de cor e canto junto, a plenos pulmões. Ao final do show, uma moça de olhos verdes veio me dizer "menina, você tem um vozeirão, hem!", dizendo por dentro "que ódio, sua cutruvia, quase estourou meus tímpanos!", rsrs, pois é, em show, quem fica perto de mim sofre. Lamento que ele não cantou "Maria vai com as outras" mas que ótimo ter cantado a "Regra Três". A moça não conhecia a primeira, pediu para eu cantar.

"Maria era uma boa moça
pra turma lá do Gantois
Era maria vai com as outras,
Maria de coser, Maria de rezar
Porém o que nínguém sabia,
é que tinha um particular:
além de coser, além de rezar,
também era Maria de pecar (...)"

A moça me contou que foi no intuito de gravar "Aquarela", para a sua irmã que está convalescente e não pôde ir. Ai, amiga. Era uma ruma de celular gravando, fotografando, esse povo não sabe que bom mesmo é fotografar com as retinas e gravar na memória afetiva. Ela concorda e vai embora, os olhos verdes por detrás dos óculos. Bonita, me lembrei da mãe. Sequer perguntamos o nome uma da outra. Curioso, isso, acho que tenho cara de gente boa.
Depois fiquei zanzando pela praça, tentando acender um cigarro mas o isqueiro não prestava, no ente apareceu um velhinho e eu disse logo e de mau humor que não estava prestando, ao que o velhinho redarguiu "eu sei, minha filha, eu a vi em apuros e vim lhe oferecer o meu." Meu Papai Noel veio mais cedo, rsrs, fiquei muito satisfeita e agradecida. Aí eu dei fé da van estacionada perto da praça, "só pode ser a dele", pensei e chinelei. Com pouco, lá se vem Toquinho, aqui está Toquinho, lá se foi Toquinho. Pra vocês verem, parei de tietar. Nada de cumprimentos, selfie, autógrafo. Observei, tão somente. O parceiro musical do Poetinha. Um dos meus cantores preferidos. É. Ando com essa de invisível. Mas a crônica de hoje trata de outro assunto: livros usados.

Leitores, Gigi me falou que, neste natal, existe uma corrente para dar livros de presente, em solidariedade às livrarias e editoras que estão fechando as portas devido à crise no mercado. eu disse, olhe, isso se deve ao preço exorbitante dos livros, tanto o impresso quanto o digital. Imagine, um e-book custar mais que um livro físico. Sei da facilidade, da rapidez que é bom para quem está azilado para ler determinado livro mas mesmo assim é muito caro. Eu, quando me formei, vendi quase todos os meus livros de filosofia. Estou certa de que muito aluno iniciante se deu bem com as Edições 70 que encomendei de Portugal, os Kierkegaard, os Diálogos de Platão, só coisa boa que comprei ao longo de minha vida acadêmica. Fiquei só com os romancistas, os poetas e os livros que me deram de presente, aliás, para ganhar de presente, prefiro um livro usado. Porque o livro de segunda mão, leitores, tem todo um encantamento em torno dele. A quem pertencia? O antigo dono gostava mas teve que vender por uma questão de necessidade? A separação foi dolorosa ou foi tranquila? Se tem anotações nas margens, aí é que eu morro de achar bom. Loan me deu um Manuel Bandeira, legítimo da casa José Olympio. Oh, rapaz. Pra que. É como sentar-me à mesa dos deuses. Cada palavra, cada verso, cada poema é um alumbramento só. O cheiro de mofo, as páginas amarelecidas, meu Deus. Como eu gosto. Outras mãos folhearam, muitas, decerto. Outros olhos passaram por elas. Todos sonharam com o poeta? Sonharam como eu? Aí, eu duvido. Sou uma sonhadora em tempo integral. Mesmo quando estou trabalhando, é certo que, por dentro, eu estou sonhando.
Gigi se encantou com o Flor do Mandacaru. Gosto quando apreciam meus escritos, quando Atílio diz "é bom" ou "tem ritmo" mas não estique a baladeira que nem a assombração do Recife velho, meu amigo Dartagnan que me compara a Cecília, à Lispector, ousou até evocar Fernando Pessoa. Véio, menos! rsrs, tenho uns versinhos bonitinhos, uns contos que me renderam outros "contos" ($$) mas, no geral, sou a cronista do dia a dia, a que não tem com quem conversar, aquela excêntrica (assunto para outro dedo de prosa) cuja televisão papocou e, para se esvaziar, anda por aqui, escrevendo.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 17/12/2018
Reeditado em 01/07/2019
Código do texto: T6528909
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