Libertas Quae Sera Tamen.

Meus pais são idosos e viajam com frequência para a casa da minha irmã. Fico sozinho a maior parte de meu tempo ocioso. Sozinho entre aspas, já que existe um peixe negro, solitário e desolado num aquário mínimo em cima da estante e dois pássaros torrando num viveiro lá fora. Todos os dias tenho que dar 6 bolinhas de ração ao peixe (que pira na água) e trocar a água e dar alpiste aos pássaros (um casal sem filhos - provavelmente brigados). Eles esperam e acompanham minha vida. Sabem de quase tudo. O peixe se agita quando passo próximo ao aquário e os pássaros se alvoroçam quando vou ao quintal. Gostam de água límpida e cristalina.

Quando criança gostava dos felinos devido à sua independência e esperteza, mas meu pai deu um jeito de sumir com todos depois de mexer na horta, enfiar o dedo na bosta de um deles e instintivamente levar ao nariz (a merda mais fedida do mundo!, segundo ele). Sua amizade com os gatos acabou ali.

Também tive uma namorada que um dia viajou, se esqueceu de dar ração para seu peixe e quando na segunda feira o viu boiando estrebuchado teve um colapso nervoso e nunca mais se curou.

Os pássaros são mais resistentes e aprontam uma barulheira danada quando sentem um certo tipo de abandono.

Hoje, aproveitando o ensejo de mais uma de suas viagens, decidi por bem conceder alvará de soltura a ambos. O peixe soltei no Rio Grande e os pássaros assoprei aos céus. Sei que durarão pouco. Não estão acostumados à liberdade, mas antes alguns momentos acompanhados da liberdade do que passar o resto da vida aprisionados.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 18/12/2018
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