Eu já acreditei em Papai Noel

Dia 24 de dezembro de 2002, véspera de natal, a data mais esperada do ano pelos cristãos no mundo inteiro. Eu, com apenas sete anos, comemorei o primeiro aniversário de Cristo de que consigo me recordar. E hoje, 24 de dezembro de 2018, enquanto lavava roupas sujas acumuladas de três semanas, lembrei-me daquele final de tarde em que a minha mãe corria contra o tempo para preparar a ceia natalina.

A casa era simples, de barro (ou taipa), na zona Rural de São Luís. Não havia luzes piscando, uma mesa farta, mas eu observava o quanto a minha mãe estava empolgada ao cozinhar pratos diferentes àquela noite. O sabor daquele arroz temperado com alho e corante, frango assado e um bolo queimado ainda fazem parte das minhas papilas gustativas, bem como aquele cheiro de fumaça que saía do fogareiro onde eu passava alguns minutos abanando para manter o fogo aceso.

Eu não tinha consciência da importância daquela data. Aliás, nem sabia da existência do natal. Para mim, o dia mais importante do ano era o meu aniversário, cuja comemoração eu achava que se daria apenas se eu passasse de ano na escola. O fato é que eu nunca tinha comido tão bem como naquela noite, levando em consideração dias anteriores e posteriores em que comia peixe seco com farinha, café com farinha, miúdos de frango (pés, pescoço, algumas azas). O povo reclama, mas uvas passas eram artigos de luxo.

De alguma forma, eu sabia que aquele dia tinha algum diferencial. Em um dos meus poucos contatos com a televisão, eu tomei conhecimento da existência do Papai Noel, porém não imaginava que a energia do “bom velhinho” me contagiaria naquela noite. Após a ceia, se é que assim pode ser chamada, fui dormir com a minha irmã mais velha num colchão no chão de barro batido.

Diferente de hoje, em que o drama de ser adulto me faz perder noites de sono, há exatos 16 anos, eu dormi como a “Bela Adormecida”. Foi como se o “João Pestana” jogasse quilos de areia nos meus olhos para eu adormecer profundamente, dando a deixa para o Papai Noel chegar até a minha casa e deixar dois presentes – cinco bonecos do Dragon Ball Z para mim e uma boneca para a minha irmã, itens encontrados em qualquer loja de variedades pelo provável valor de R$ 1,99, à época.

Obviamente, na minha casa não tinha chaminé, mas acredito que a porta, cuja tranca era um pau escorado, deve ter facilitado a entrada do barbudo. Quando acordei, cedo como de costume, a felicidade de ter ganhado o meu primeiro presente de natal era contagiante. Meus pais reafirmavam a magia envolta na simbologia representada pelo Papai Noel e apelar à suposta razão humana nem passou pela minha cabeça.

Na tarde do dia 25, também como de costume, porém mais feliz, fui com a minha irmã buscar água em poço artesiano, cerca de 200 metros de distância de onde morávamos. As mãos eram calejadas, mas isso não importava, pois fomos agraciados com a visita do Papai Noel e queríamos gritar isso para todo mundo. Lembro-me bem quando disse à dona Maria, uma vizinha nossa, que fomos presenteados na noite de natal. E ela alimentava ainda mais aquele lindo sentimento incitado pelos meus pais.

Aquela ceia jamais seria a mais farta de uma celebração natalina. Aqueles presentes talvez tivessem pouca importância para muitas crianças. Mesmo assim, trago a lembrança de uma noite maravilhosa e destaco que nunca tive um natal tão incrível como naquela casa de barro, de chão batido, localizada na principal avenida de uma invasão na zona Rural de São Luís. E hoje só quero entender onde foi parar aquele espírito que me trouxe uma felicidade jamais vivida nos posteriores 25 de dezembro.

Autor: Édrian Santos