Marconi caiu na real

Marconi caiu na real

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Conheço Marconi desde a minha infância. Ele era um garoto como outro qualquer, que cresceu jogando bola, andando de bicicleta e brincando na rua. Uma vida bem diferente da que seus filhos tiveram. Dois garotos e uma menina que foram criados em apartamento, brincando com brinquedos eletrônicos. Marconi tem uma típica família de classe média: dois carros, três televisões, videogame e toda sorte de brinquedos a pilha.

Hoje seus filhos têm idade de 17 anos, quinze anos e 13 anos. São os típicos adolescentes criados a base de shopping center, clube e televisão. Ele gostava de me criticar porque meus filhos quase nunca assistiam televisão. "Você é um idealista que ainda não entendeu que o mundo mudou ..." dizia ele. O sorriso no rosto denunciava um sentimento de superioridade frente a mim. Ele se achava mais esperto, seus filhos melhores adaptados, ou seja, ele era melhor.

Hoje Marconi está chorando, seu filho mais velho está atolado na cocaína e sua filha mais nova revoltada e mal educada. É um sofrimento muito grande para um pai e ver o fruto da sua educação. O sofrimento é maior porque ele observa meus filhos educados, trabalhadores, felizes e companheiros. O você sabe o que ele fez de errado? Ele fez tudo o que a maior parte dos pais fazem: trabalham muito para oferecer bens materiais e se esforçam pouco para serem verdadeiramente companheiros.

O que Marconi descobriu? Ele descobriu que sua família simplesmente não conversava. Cada um chegava em casa assistia seus programas de tv favoritos, cada um tinha seu computador e seu tocador de cd. Ninguém tinha que compartilhar nada. Nada era dividido. Por um lado, esta era a garantia de menos briga entre os filhos. Como nada se dividia não havia espaço para a briga, mas também não havia espaço para o diálogo, para a democracia dentro de casa e principalmente para aprender a tolerar a frustração. A refeição era feita em horários diferentes com a desculpa de que a vida era corrida. O vazio criado nas crianças por causa da distância dos pais era disfarçado com pedidos contínuos de objetos de consumo (o tal sonho de consumo). Se faltava o diálogo, sobrava objetos de status.

Marconi sempre quis ter diálogo com os filhos. Mas, criou uma vida que tornou isso quase impossível. O tempo foi passando... e o resultado chegou. A gente paga pelo que a gente faz, mesmo que a gente não perceba a gravidade da situação. Ele sonhou com uma vida e criou outra, como milhões de outros pais.

Marconi está chorando. Me procurou e me pediu para ser sincero sobre a situação da sua família. Eu disse: "Cara, você criou um bando de burguesinhos que não conhecem a boa frustração. Porque todos nós nos frustramos. A boa frustração é aquela que nos ensina coisas positivas e construtivas. Como, por exemplo, a frustração que nos ensina a dividir e compartilhar uma televisão, assistindo os mesmos programas, nos mesmos horários. Ou a boa frustração que nos ensina que roupa de marca é algo totalmente dispensável. Existe a péssima frustração que é, por exemplo, aquela em que o sujeito fica frustrado e se sentindo desvalorizado por que não está com a roupa da marca a moda. Em outras palavras, faltou você oferecer a seus filhos a boa frustração”.

Marconi chorou. Ele sabia de tudo o que eu estava falando. Ele porém, não considerou isto prioritário. O que era prioritário, de fato, era ter uma família com aparência de feliz. Os conflitos ficaram escondidos e os maus exemplos foram dominando. Tudo foi acontecendo devagar, a medida que o foco era mudado para o que não era essencial. Se faltava tempo para compartilharem coisas simples da vida, sobrava para se preocupar com os vários cursos (mal feitos) que cada um fazia e com as vulgaridades da vida baseada em orgulho e vaidade.

Marconi caiu na real. Descobriu que os valores que a televisão divulga são aqueles que servem para elas ganharem dinheiro. Ele sempre riu de mim quando eu dizia que a quantidade de notícias ruins que passam nos telejornais tinham como a finalidade viciar as pessoas em negatividades. Pessoas carregadas de negatividades tendem a ficar cansadas e menos ativas. São essas pessoas que se entopem de televisão. Pessoas felizes são mais ativas e assistem menos televisão. Marconi ria desta minha teoria. Agora, ele chora e concorda comigo.

É tempo de resgatar o diálogo e a boa frustração. É tempo de ensinar seus filhos a dividir, a dialogar e a compartilharem. É tempo de cobrar que tudo seja feito super-hiper bem feito. Nos tempos atuais é importantíssimo desenvolver atividades conjuntas da família e desligar a televisão.

Na minha família de segunda a quinta não se liga a televisão. Isto foi fundamental para que nós acostumássemos a conviver uns com outros e a desenvolver atividades conjuntas.

Marconi caiu na real. Quando será que as pessoas vão entender que nada substitui a vivência conjunta.

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