O trem-bala brasileiro

Desde pequenininha, o seu sonho era conhecer o Rio de Janeiro. Outras crianças, frente à pergunta “o que você quer ser quando crescer”, respondem com as mais variadas profissões: médico, dentista, engenheiro, professor, enfermeiro, advogado... Ela não. Ela respondia: “Quero conhecer o Rio de Janeiro.

Faz sentido; seu irmão mais novo, queria ser lixeiro. E justificava: “É pra ver o que os outros meninos comem e as caixas dos brinquedos que eles ganharam”.

Há tempos (bota tempo nisso!), aos 12 anos, ela esteve no Rio. Mas aquela vez não valia: ela foi assistir ao “Xou da Xuxa” em excursão com outras criaaças. Não, aquela vez não vogava. Ela queria conhecer as praias, os restaurantes, o “modus vivendi”..., enfim, ela queria conhecer o Rio das novelas da Globo.

Ana Maria conseguiu um novo emprego. Trabalharia na assessoria de um ministro. Bom. Bom, não; ótimo. Chance de crescer, salário melhor poderia surgir chance de conhecer (MAS CONHECER MESMO!) o Rio de Janeiro.

A jornalista exultou quando comunicada de uma viagem à Cidade Maravilhosa: o ministro supervisionaria algumas obras e convidou-a para compor a comitiva. Ana Maria sonhava acordada com o Pão de Açúcar, a Baía da Guanabara, o Corcovado, a Quinta da Boa Vista, os museus, a Candelária...

No Rio de Janeiro, Aninha e equipe se esforçaram para que tudo corresse bem à volta do chefe. Ela contava os minutos para que chegassem as horas de folga: imaginava-se caminhando, feito turista, pelas calçadas decoradas da Zona Sul ou pela Barra da Tijuca.

Apesar de recomendações contrárias, o governador Sérgio Cabral decidiu que a viagem até as obras seria feita em trem; mandou dar uma garibada em alguns vagões e, de manhã, dezenas de pessoas estavam a bordo: ministro, secretários, aspones, jornalistas, seguranças, enfim...

Na ida, ao passar entre duas comunidades (Pois é, quando não consegue extirpar um

mal, os governantes mudam a sua nomenclatura. Foi assim que lepra virou hanseníase, impaludismo virou malária e favela virou comunidade.) dois estampidos foram ouvidos e a estrutura metálica do cavalo-de-ferro (coisas de pele vermelha americano) foi perfurada. “Não é nada, não... São os meninos treinando tiro a alvos em movimento”, tentando amenizar o fato, falou o secretário de Segurança do Estado.

Cumprimentos, abraços, jogos de cena com operários, pose para fotos, ações ensaiadas para filmagens (Lembrei de quando Ernesto Geisel, posando para as câmeras, cheirou um frasco com petróleo extraído da Bacia de Campos (SP) e afirmou: “É petróleo de primeira qualidade”), essas coisas e, em seguida, os grupos ocupavam os seus lugares no trem para empreender a viagem de volta.

Ao passar por aquele local onde os meninos treinavam tiro a alvos em movimento, “Pá! Pá! pá! Ta-ta-ra-ta-tá! Rrrra-ta-ra-ta-tá! Ziiiimmmm! Ziiiimmmm!”. Um alvoroço! Ministro, assessores, seguranças, secretários, maquinista, ferromoças... Todos ao chão, em verdadeiro pânico. Eram os meninos fazendo a lição do dia. Ana Maria começava a conhecer o Rio. O verdadeiro Rio de Janeiro, não aquele das novelas e cartões postais.

De volta ao hotel, Aninha arrumou as malas e, sem mais querer sair do quarto, esperou a hora de cair fora do inferno em que se transformou a Cidade Maravilhosa.

Em casa, recebendo amigos, a jornalista contava suas experiências da primeira viagem a serviço. Teobaldo, homem viajado, aparteou para falar de recente périplo feito pela Ásia:

- Gente, o Japão é maravilhoso. Tóquio é espetacular. É diferente de tudo que você já viu na vida. Uma viagem no trem-bala, então, é inesquecível...

Ana Maria levantou-se, botou as mãos na cintura, arregalou os enormes olhos e retrucou:

- O quê? Nem me fala em trem-bala! Conheci um troço desses há poucos dias... Não quero ouvir falar em trem... Nem metrô..., nem Maria Fumaça... Não me falem nem em ferrorama... Tô fora, mano!!!

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 15/09/2007
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