O morador de rua que atrapalhava a foto da posse do governador do Piauí

A cada quatro anos, a correria nas redações de jornalismo é mais intensa do que o normal, em se tratando das cerimônias de posse dos governadores de todo o Brasil e do presidente da República. No Piauí, o 1º de janeiro de 2019 não foi diferente e os jornalistas corriam contra o tempo para acompanhar Wellington Dias (PT), reconduzido ao mais alto cargo do Estado pela quarta vez.

Dois discursos marcaram o evento: um na Assembleia Legislativa (Alepi) e outro no Palácio do Karnak, sede administrativa do Governo do Piauí. Entre um prédio e outro, percorrem-se 2,5 km. E lá se vai uma caravana de repórteres, fotógrafos e assessores em busca da melhor declaração, foto e vídeo do governador, dos deputados, da primeira-dama e de outras elites que tiveram assentos exclusivos numa solenidade petista, mas que deveria representar uma aliança com o povo.

Eu, por outro lado, questiono onde está essa proximidade com o povo, sobretudo a partir do momento em que, junto com mais duas colegas jornalistas, corro para pegar o carro e seguir da Alepi ao Karnak. Nesse meio tempo em que estava a pé, deparo-me com um possível morador de rua sentado na escultura que representa a marca da Assembleia Legislativa do Piauí.

Calmo, sozinho e distante de toda a pompa e protocolos que ocorria dentro da “casa do povo”, o senhor, de idade avançada e descalço, refletia e assistia a toda aquela movimentação de homens e mulheres “bem vestidos”. Observo-o. Tento criar coragem para ouvi-lo, quando aparece uma equipe de TV e invade, de forma abrupta, a intimidade de alguém desconsiderado pelo Estado, pela sociedade e pela imprensa.

Sobre a última, a menos que o morador de rua seja queimado vivo por “higienistas” que visam à limpeza do Brasil por meio da intolerância, este dificilmente será lembrado pelas instituições. E, neste texto, faço mea-culpa por fazer parte de uma mídia que tanto invisibiliza quem mais precisa ser mostrado. A referida equipe de TV, por sinal, disparou contra o andarilho: “O senhor pode se retirar? Está atrapalhando a filmagem”.

Continuei a observação, até que o senhor retrucou: “Por quê? Eu também sou cidadão”. Sim, senhor! Todos nós somos, mas até onde somos reconhecidos como tal? Encorajei-me e fui ao encontro daquele homem, após fazer alguns cliques da cena tão comum e ao mesmo tempo tão única e simbólica. Na tentativa de se defender, gritou comigo: “Está filmando o quê, seu filho da mãe?”.

Ele não quis papo. Eu tinha o compromisso com uma pauta, logo ir atrás do governador devia ser a minha prioridade, mas me pergunto se aquele homem alguma vez já foi preferência de alguém. Coincidência ou não, Wellington Dias, naquela tarde, discursava em prol da qualidade do desenvolvimento humano no Piauí, prometendo equiparar o estado a níveis internacionais até 2022.

O curioso é que, por 12 anos, indo para mais quatro, os baixos índices que assolam o estado continuam deficitários e o Piauí segue dividindo os piores rankings com o vizinho pobre Maranhão. Àquele homem foi negada a participação na solenidade de posse do governador. Foi negada a exposição das suas necessidades ao restante da população pela imprensa. Mesmo que ele se considere cidadão, a ele, principalmente, foi negada a dignidade humana, mas ele só existe, mesmo resistindo.

Autor: Édrian Santos

Publicação: oitomeia.com.br

Eduardo Adriano Santos
Enviado por Eduardo Adriano Santos em 03/01/2019
Reeditado em 01/10/2020
Código do texto: T6542252
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