Chuva boa

E caiu. Caiu lá fora a chuva, com toda água nervosa que poderia existir. Inúmeros raios e trovões como gritos desesperados de todo o mundo. A água descida que a princípio molhava a terra, de repente passou a deitar todo o capim do morro com a força que escorria.

Os ventos giravam os galhos das árvores para um não sei onde desgovernado e eu via, com balanços para lá e para cá, as goiabas caírem do pé do meu quintal, como as gotas da própria chuva, mas sem vida como.

Mamãe de estalo gritou:

-Vamos, desligue todas as tomadas!

O grito foi o que me removeu da paralisia de observador. Estava também encantado com o show que dos céus vinha. Era como se algo divino, triste com as atuais conjunturas do planeta, chorasse como criança aos prantos. Não menos.

Em certas regiões do continente africano acredita-se que a chuva é uma das formas como os antepassados se conectam ao mundo terrestre. Em lugares do maior país da América do Sul acredita-se que a chuva também sirva para conectar. A uns conecta pela dor da perda, seja da festa, do ônibus, da casa, da vida. A outros conecta à alegria que advêm quando percebe-se que vale a pena ter esperança. A mim, neste dia, a chuva conectou o silêncio do fenômeno ao meu barulho interno, produzindo um efeito contrário.

Chuva boa é assim: suja o sapato enquanto lava a alma.

Crônicas de um Ignorante
Enviado por Crônicas de um Ignorante em 08/01/2019
Reeditado em 13/01/2019
Código do texto: T6546210
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