*As cores do ano novo

Na Idade média, o povo tinha uma religiosidade mais aguçada e um grau maior de ignorância; hoje temos uma tecnologia avançada e uma infinidade de templos e deuses a matar de pau, a puxar com o rodo. O ateísmo é declarado e o paganismo permeia todos esses setores. O sincretismo de interpretações funciona de forma tal que, em muitos casos não se sabe onde terminam o profano e o sagrado, como as duas serpentes que se engoliram pelo rabo: Uma dentro da outra e simultaneamente dentro de si.

Todos os finais de ano, tarólogos, numerólogos, cartomantes, babalorixás, videntes, astrólogos e o diabo a quatro se multiplicam com previsões das mais simples ao absurdo. Cada espertalhão querendo abocanhar seu pedaço de filé à custa dos que gostam de facilidades. Crentes, temos aos borbotões. Já aconteceu de uma irresponsável anunciar num programa de televisão o assassinato do Papa, coisa que evidentemente não ocorreu, mas poderia ter suscitado em alguém a ideia de ser um predestinado a fazer acontecer uma profecia.

Por esse tempo, também foram surgindo dos escombros do nada os cromoterapeutas com suas cromoterapias. Cada cor tem o seu significado, funcionando como ímã para atrair fortunas, aventuras, amores, felicidades, tudo isso sem o mínimo de comprovação científica, mas nem por isso deixa de ser uma tentadora oferta. Como o exército dos desesperados cada dia aumenta mais, nada custa acender uma vela para o santo e duas ao diabo, vai que cola!

Aliado a isso, ainda existe a corrente do pensamento positivo e nunca é demais lembrar que a mente humana é argila de fácil manuseio. Assim, o placebo acaba funcionando para uma porcentagem invisível ou insignificante da população.

Diante dessa atmosfera, resolvi por minha conta e risco, elaborar meu próprio laboratório, sendo eu a cobaia em todas as vezes. Fui vestindo, ao longo da vida, todas as combinações e contrastes de cores que se possa imaginar. Do branco marinheiro ao negro pantera, passando pelos cinquenta tons de qualquer coisa. Como cada cor representava uma conquista: Preto = independência, prata = emoções, roxo = purificação mental e assim por diante, era-me fácil ver, ao longo do ano, o que aparecia naquele contexto. Diante de minha incredulidade total, os astros alinhados ou não se responsabilizaram para me deixar ainda mais cético.

Hoje, meu laboratório está desmontado e minha tese confirmada: Tudo não passa de bobagem, coisa que eu já sabia desde os meus tempos de zigoto. Entretanto, meu esforço não foi debalde. Tive conclusões interessantes e que me ocorreram ao perpassar desses acontecimentos.

Numa dessas viradas de ano, resolvi remar contra a correnteza, implodindo todas as ilusórias teorias, cores e tendências, recusando todos os incensos, oferendas e flores, trombando qualquer esoterismo contra as ortodoxias e acertei na mosca. Sem precisar entrar muito em detalhes, meu melhor ano foi exatamente aquele em que eu comecei nu (com minha namorada).

Eita ano paidégua! Vá por mim, porque não será pena alguma tentar.