Pensei em escrever sobre os tênis que ela deveria usar

Pensei em escrever sobre um tênis que nunca tive. Deu errado. Acho que o texto, do meio pra frente, ficou sem sola, tecido e cadarço. A história não tinha nem base, nem estrutura, tentou andar sozinha e tropeçou nos detalhes que serviriam de laço.

Pensei em escrever sobre alguém que realmente gosto, mas percebi que sentimento de escritor é bicho selvagem. Ou melhor, é aquilo que ninguém entende ou faz pouca questão de desvendar. Bárbaros. Selvagens. Índios. Multidões inteiras de emoções que não se parecem com as nossas, mas que sabemos serem próximas o suficiente.

Por fim, pensei em escrever sobre os All Stars que ela deveria usar. Não usa, ou ao menos não que eu saiba. Curioso é que os sapatos não chamam a atenção. O que me importa é a marca. Converse. Um pedido tímido que sorrateiramente deveria se esconder nos pés de toda pessoa que fala bastante, mas que usa os olhos em vez da boca.

Deveria ficar ali, exposto na ponta da língua, sussurrando aos quatro cantos a urgência de intervenção. Pensei em escrever sobre uma juventude rebelde. Pensei em escrever sobre garota selvagem que conheci sentado no muro. Pensei em contar como aqueles pés descalços gritavam a ausência de algo.

Coitado de mim. Não pensei em tudo na hora. Agora, escrevendo o que quer que seja isso, já suspirei a palavra chave três vezes. Converse!

É uma pena que eu tenha ficado calado.