Meu trecho chocho

Esse relato é meu, para falar da nossa estrada. Eu queria falar com alguém, queria dizer desses dias e seus pesos que têm me cercado toda hora de silêncio.

Tenho dormido mal desde que você saiu de casa. Sua ida tornou verdadeiro o que há tempos escrevo em poesias sobre despedidas: o vazio. A casa vazia, vazia de você, me assola a cabeça. Esse apego me fez carente, dependente, sei lá... E agora vem o sofrimento do silêncio por aqui.

Eu estou sem esperanças para tudo; para as próximas semanas, para os próximos meses, o próximo semestre. Até me afasto se questionam meus planos para o ano que vem. Durante o dia, vários insights vêm e vão trazendo as situações de ter que buscar outra casa, buscar outra pessoa para dividir pelo menos as contas e sanar a quietude daqui. Toda hora vejo algo diferente ou recebo algo novo, e queria você por aqui para compartilhar. Vez ou outra, seu nome preenche a minha boca, pronto para sair. Mas não sai, não deixo, não consigo, porque já sei que não haverá resposta. E é o que mais me dói.

Deixei fechada a porta do quarto onde dormíamos. Durmo no sofá da sala ou na cama de solteiro do quarto da pequena, tentando me educar em menor espaço, menor solidão. Mas parece não estar adiantando.... Não sei se você volta, e, se voltar, tenho medo de não nos acertarmos. O que seria ainda pior para mim....

E sabe uma das maiores torturas que se debruça sobre mim? Esse trecho chocho, a rua de casa. Quando viro a esquina da quitanda e avisto nosso portão, o peito já vai se apertando e qualquer música que eu esteja cantarolando se cala, se cessa. Antes eram dois minutos para chegar em casa, agora são cinco: dois de caminho e três de relutância. Esse trajeto parece a exibição de um curta metragem que dura um infinito, mostrando todo conforto e repouso da casa em sua companhia se chocando com a realidade atual das luzes e vozes apagadas, louças limpas e comida sobrando.

Nesse pedaço da rua tenho que ser duas vezes forte, pois tenho que seguir firme até em casa, sabendo que a solidão e sua tristeza me aguardam lá. Já parei algumas vezes em frente ao portão pensando em voltar dali mesmo pedalando, adiando o inevitável. Mas para onde iria também? Não tem escapatória a não ser entrar, acender as lâmpadas e encarar os fantasmas de agora. Nem medo de aranha eu tenho mias. Isso se tornou coisa muito pouca!

Nesse trecho chocho toda alegria do dia fica acinzentada, enevoando-se nas luzes amarelas dos postes nas calçadas. É como sentir o refúgio destruído...

Crônicas de um Ignorante
Enviado por Crônicas de um Ignorante em 15/01/2019
Código do texto: T6551784
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