Verdades de cetim barato

Existem verdades camufladas, que se esgueiram atrás de certos sentimentos.

Suas amarras são de cetim barato, seu cheiro beira um vazio que se espalha feito praga insana.

São verdades sem dono, daquelas que nos entulham de motivos pra seduzir, pra arrancar do outros suas máscaras em carne-viva, uma atrás da outra.

Verdades donas do chão, rainhas eternas nos bueiros dos desejos, vértebras sorrateiras se pendurando num precipício atroz.

Todos nós flertamos essas tais verdades de pé quebrado, teimando em roubar delas seus réquiens desalmados, seus cacos endiabrados chamados de paixão.

Quando no calar da noite nos flagramos desnudos, inertes, carnívoros de peles suculentas ou, vai saber, daquele vendaval fagueiro que chamamos de dor, essas verdades nos chamam à baila, querem trocar calores, queremos se fundir na gente até sempre. E conseguem.

Mas como somos párocos dessa insolente estrada, ficamos na nossa, tipo estátuas, clamando por uma esmola de sonho, seja ele qual for.

Mas, teimosos como mula no cio, não desistimos de sugar nessa teta fétida que alcunhamos de fé.

Quem já se deparou com gente saindo desse porre anônimo, sabe o quanto sofremos pela morte da vez, pela perda inaudível daquilo que mais prezamos, mais endeusamos. Mais nos fincamos.

Já que viramos escravos nessa pálida sinfonia, já que nos delegamos, cabisbaixos, ao pelego da razão, essa cicuta alucinada rodopia e sorri. Como sorri.

Então, atolados e redimidos, nos embaçamos daquele fel horripilante que esvai dos medos mais aguçados, que se purga dessa escarra volátil que se fez nosso desejo. Indecente desejo, diria.

Daí nos descamamos feitos barata-tonta, tal gari que mal destrava seu peito, que mal conduz sua solidão. Que mal enche o copo de café.

E vamos à tona resvalados, chorados à granel, chamando um perdão que há muito perdemos, há muito desdenhamos.

Como consolo, nos postamos escrachados num boteco qualquer pra encher nossa cara do rum mais vagabundo que tiver.

Tiramos nossas roupas já puídas, já rasgadas, já manchadas desse sangue, comemorado o que trouxemos na esteira do entendimento.

Daí nos permitimos dormir, algo que nunca fizemos com desenvoltura, algo que nunca pecamos como, de fato, aconteceu.

Nessa hora, Deus, soberbo nos seus desmandos fartos, nos colocará num colo estranho e ninará cantando versos desanuviados que guardou só para si.

Nesse fim corado e maltrapilho, o que resistirá será aquele berro desmamado da compaixão capenga, a mesma que, agora, lhe sirvo nessa bandeja de prata pra você se fartar até o vento gozar.

Para perambular até virar pó.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 17/01/2019
Código do texto: T6552923
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