Tripulante do Apolo 11

- Doutor, só posso dizer que foi uma puta aventura...

Nem me conhecia, mas como todo bom de prosa, lançou a deixa e dasatou a falar do meu lado num voo Guarulhos / Recife - e continuou: Acho que a mesma sensação só sentiu Neil Armstrong quando rumou pra Lua em 1969. Sabe o Apollo 11? Pois é, foram 3 dias 3 horas e 49 minutos de viagem até pousarem em solo lunar; no meu caso foi um pouco mais, uma epopéia cravada em 5 dias, tudo num busão clandestino, saindo de uma rua sem CEP lá de Jaboatão dos Guararapes (PE) até ser jogado com um trapo humano no asfalto esburacado, quase lunar da Marginal Tietê (SP). Mas, como tudo tem um antes neh?! Deixa voltar um pouco no tempo...

- Encarar a Recife dos anos 90, não era fácil, tipo assim, se o caboclo quisesse ganhar mais que meio salário mínimo só tinha três opções: a primeira por questão de honra o bicho deveria concluir o insuportável ensino médio, pra depois mandar currículo pra Deus e o mundo e somente depois de muita espera perceber que só foi aceito por um mercadinho ou oficina mecânica do bairro; a outra era o trampo informal, viver correndo do rapa, na árdua emoção de um dia pós outro, sobrando por fim a via mais interessante: a vadiagem... ah a gostosa va-di-a-gem!!!! cheirar cola de sapato, encher o rabo de maconha, tomar uns goles de 51, e daí com muita brisa ganhar coragem pra encarar umas fitas loucas.

Mas doutor eu era muito cagão, não tinha os dois culhões necessários pra pilantragem, era de ficar por ali nas esquinas de Casa Amarela, divagando sobre o que fazer da vida, as vezes corria pra mergulhar nas normas ondas de Boa Viagem, batia umas punhetas encondido entre os arrecifes, relaxava e sem destino partia pra cruzar as pontes do Recife Antigo, ou quando me brotava um pouco de coragem passava os dias ganhando trocados carregando fretes nas sujas e fervilhantes vielas da Feira de Cavaleiro pra depois gastar tudo num puteiro meia boca da região. Esse era meu micro e subversivo universo tropical e nele eu era mais um Zé ninguém.

- Aí o senhor pode entender um pouco porque entrei naquele clandestino com ares de nave espacial direto pra São Paulo. Essa megalópole era uma espécie de Star Wars (Guerra nas Estrelas) principalmente pra um fodido como eu, mas que lá no fundo tinha um pequenino sonho de ter meu espaço ao sol , ou quem sabe um pedaço de chão na lua. E minha imaginação ganhava contornos estelares, sobretudo quando tinha notícias de quem vinha daqui, coisa Hollywood, tipo assim o cara saiu la dos cafundó do Judas, chegou em São Paulo e já tinha carro, casa, vestia roupa de grife e pra completar comiam em fest foods, e os boatos se comprovavam quando anualmente de férias, algum desses retirantes retornavam pra visitar parentes lá , nem conseguia reconhecer te tão obesos, sinal de saúde numa terra de subnutridos; essa cidade dava um semblante altivo aos seus moradores tipo aquele ar de Fausto Silva aos domingos. Nosso Senhora doutor, precisava pisar nassa Terra Prometida!

- E cá cheguei, lembro como se fosse hoje, foi no dia que Lula assumiu a presidência em 01/01/2003, como ele me senti um conquistador pisando no Planalto Central só que no meu caso fui pra ZL e de lá parti pra construir meu reino. Foi treta, como diria Mano Brouw: "São Paulo é selva de pedra... uma cidade onde Deus é uma nota de cem". Não me acovardei, fui atrás desse Deus... desbravei essa cidade como se fosse uma roça, deixando nela minha vida, sangue e suor, não fiquei rico, pelo contrário deixei muita gente mais rica, mas com Neil Armstrong e o Presidente Lula aprendi uma das mais importantes verdades pra toda minha vida, mas importante que o gozo da conquista da Lua, poder Político ou seja o que for está a certeza que a Viagem foi desbravada e que chegamos onde muitos não imaginaram chegar. Deixo São Paulo como Neil Armstrong deixou a Lua e nela nunca mais pisou.

Jazi Nask
Enviado por Jazi Nask em 19/01/2019
Código do texto: T6554645
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.