Saudade da fumaça de cigarro

O quarto vazio exalava estranhas sensações.

A ausência da protagonista preenchia seus cantos

com força de furacão.

Lembrei de uma visita que fiz há alguns anos com meu

pai em Auschwitz, Polônia, ele tendo sido prisioneiro de

campo de concentração com os pais, Bronka Silbiger Z"L e Oskar Silbiger Z"L e irmão Herbert Silbiger Z"L.

Temia que passasse mal por conta daquilo tudo que

viveu anos antes. Que nada.

Os alojamentos, câmaras de gás, fornos crematórios,

guaritas, arame farpado e tudo o mais sem os nazistas, cães e

seus prisioneiros não passavam de um cenário, triste cenário.

Absolutamente nada mais do que isso.

Minha mãe, Rosalina Silbiger Z"L mais conhecida por Rosa, morou por anos a fio, no Residencial Albert Einstein, em São Paulo.

Seu nome não estava mais na porta, como sempre

reparava ao chegar, e o cinzeiro se encontrava limpo,

coisa rara nas vezes em que visitava aquela querida

fumante por 73 anos.

Ela faleceu aos 86 anos em 2/1/19.

Nos últimos meses já não tinha o enorme prazer em acender

seu cigarro e dar gostosas baforadas enquanto batíamos

deliciosos papos.

Esses papos estão me fazendo uma falta danada.

Fui lá ontem pegar o que queria pra liberar o quarto.

Foram fotos, óculos, dois xales, dois pratos que lhe

dei de presente de Israel, dois leques e só.

Achava que seria uma dor imensa voltar lá com essa missão.

Que nada.

Sem a minha mãe, aquilo não passava também de um cenário, agora alegre cenário.

Porque não a via mais numa cadeira de rodas,

e nem, tampouco, tinha que enfrentar sua apatia torturante

por conta da demência que, atrozmente, foi ocupando preciosos recantos do seu cérebro e do seu coração nos últimos tempos.

Aquele cinzeiro limpo e a cadeira de rodas desocupada

trouxeram um alívio que se mesclava com a saudade

do seu cheiro, da sua voz, da sua vida, do seu tudo.

Fiz algumas fotos do Residencial, lugar que frequento desde

pequeno, quando meu tio, Roman Luftig Z"L foi presidente da

instituição, então Lar dos Velhos,

Lembro de mim, bem garoto, correndo pelos seus jardins,

lindos e agradáveis jardins, sempre bem cuidados.

Depois se tornou lá residente junto com a esposa Irene Luftig Z"L e a irmã Fanny Luftig Z"L, mais conhecida por Tia Frida. Querida Tia Frida.

Meu pai, Gerd Silbiger Z"L, mais conhecido por Geraldo, trabalhou lá, inicialmente como almoxarife e depois como caixa.

Quando teve um AVC, já aposentado e morando sozinho, resolveu se tornar residente e curtia bastante morar lá.

Tinha muitos amigos e pessoas que gostavam dele.

Num sábado viria almoçar na minha casa e faleceu de manhã.

Isso foi há 17 anos.

Saudade do meu querido amigo, meu pai.

Saudade da minha querida mãe e da fumaça de cigarro que nos envolvia como um carinho que não terei nunca mais.

As duas letras Z"L colocadas ao lado do nome de pessoas falecidas correspondem a uma abreviatura em hebraico da expressão “zicaron lebrachá”, que significa "bendita a sua memória".

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 27/01/2019
Reeditado em 24/04/2019
Código do texto: T6560405
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