SUFOCO DIGITAL

— Vô, me leva pra assistir o Aquaman no Shopping?

— Não!

— BUÁÁÁÁ!!!

— O que é isso pai, leva o Luquinha pra assistir o filme, ele adora o Aquaman!

— Quê?!! Sair da frente do meu computador, pegar o carro, trânsito congestionado, estacionamento caro, ir ao cinema, fila demorada, pisar no chiclete… Não, a gente vê outro filme no Netflix.

— BUÁÁÁÁ!!! No Netflix não tem pipoca de balde, e quando você faz põe muito sal!

— PAI!!!! O que deu em você? Sempre curtiu ir ao cinema!

— Pois mudei, agora sou um homem digital; incorporei no sangue os pixels e aboli as atividades analógicas mundanas. Eu e o Luquinha podemos visitar o mundo todo via Google Maps SEM PEGAR FILA!!! No conforto aqui de casa!!!

E o melhor, viajar o mundo em segurança! Imagine se o avião da gente cai, ou o navio afunda ou o…

— Chega, pai! Bem que seu amigo de São Paulo falou; você está ficando gagá!!!

— Ele é que está ficando gagá, vive querendo falar comigo pelo telefone.

Pura bobagem, o negócio é ser digital, papear teclando, é muito mais prático…

— Ok, vô! Então vamos à praia tomar sorvete de casquinha, catar conchinha.

— Nem pensar! Além do desconforto com a areia fico todo melado de suor!

— Mas no google não tem sorvete de casquinha!

— Claro que tem, é só pedir pelo site, o motoboy traz sorvete de casquinha, bola de futebol, se bobear traz até guarda-sol e um camarãozinho no palito!!!

— BUÁÁÁÁ!!! Eu quero assistir o Aquaman no shopping!!!

E o avô novamente nega levar o neto ao cinema. A filha falou um monte e saiu da sala. Irritado, dirigiu-se para o quarto e diante do computador colocou os óculos de realidade virtual que tinha chegado no dia anterior, pelo correio. Ao acionar o dispositivo ficou maravilhado, incorporou um ser digital sobrevoando uma ilha, cheia de coqueiros e belas paisagens. Como pássaro, sobrevoou tudo em voos rasantes inimagináveis.

Mergulhou nas águas verdes do mar, subiu e novamente mergulhou. Era um imenso albatroz com bela plumagem. Quando se preparava para mergulhar novamente, do mar surgiu um gigantesco dragão, pixelizado como um vírus de computador, que o abocanhou por inteiro. Apavorado, retira os óculos querendo fugir daquele monstro e assumir o mundo real.

Foi quando deparou-se incorporado na tela do próprio computador, num vídeo onde debatia-se, tentando fugir do dragão pixelizado.

Estava aprisionado em seu próprio computador, vendo tudo de seu interior: o neto Luquinha e a filha. Num esforço inútil buscou fugir da boca do dragão. Foi quando viu surgir das águas do mar um ser robusto com um potente tridente que imobiliza e vence o terrível dragão, salvando sua vida. Era Aquaman, o super herói dos mares e do filme que seu neto tanto queria assistir.

Arregalou os olhos aliviado, e logo concluiu que tudo não passou de um terrível pesadelo. Sua imersão no mundo digital fora de fato uma irônica punição. A figura do Aquaman salvou sua vida e criou-lhe uma dívida moral.

Não pensou duas vezes!

— Luquinha, prepare-se! O vovô vai levá-lo ao cinema para assistir Aquaman!

Com direito a baldão de pipoca, sorvete de casquinha e chiclete no pé!

AH-AH-AH!

— Muito bem vozão!!! Gostei de ver! — diz a filha — O que deu em você?!

— Fui salvo pelo gongo, digo, pelo Aquaman!!!! Boralá!!!