A BOLA DE FUTEBOL

Anos 70 - e tal e qual os dias de hoje, as coisas eram bem difíceis. Quisesse saber de notícias só no rádio ou na velha tv a válvulas. Sobravam sonhos - simples - mas naquela realidade da porta para fora eram tudo de bom que a vida poderia me proporcionar. Dividia a casa com pai, mãe e mais quatro irmãos. Era tudo regrado.

Dezembro era mês de fartura - tinha os presentes do natal e até uma roupa nova. E quem sabe rolava até uma maçã para cada. Nada de dividir. Era fechar os olhos morder com força sem se preocupar com alguém pedindo um naco.

Acordei umas três vezes naquela noite do dia 24 para 25 - olhando debaixo da minha rede.

Papai Noel ainda não tinha dado o ar da graça - até que me conformei e peguei no sono profundo. Acordei com os gritos dos outros irmãos. Papai Noel não tinha falhado - os presentes estavam lá - acariciando nossos egos e sonhos pueris.

Peguei a bola - ainda estava em um saquinho transparente - mas dava para ler:

- CANARINHO - a bola dos craques.

Era uma bola vermelha.

Coloquei debaixo do braço, já sonhava com jogadas geniais e com a esperança de tirar o time - afinal, a bola era minha.

Tomei café com pão e manteiga e a bola ali do lado. Uma mordida no pão, um gole de café e uma olhada para a amada. Amor a primeira vista. Suspiros.

Agarrado com a bola, caminhei firme em direção ao portão. Mal coloquei o dedo no ferrolho e um amigo ia passando na rua. Era o Itamar. Com um olhar atento - viu a bola. Trocamos algumas palavras e ele entrou. Queria pegar meu presente.Com muito custo entreguei - após muitos conselhos. E não podia tirar do saco plástico - para não arranhar.

Depois de analisar cuidadosamente, o Itamar resolveu dar uns pezinhos.

Sempre foi um perna de pau. Não me decepcionou.

No terceiro ou quarto pezinho - a bola pegou na canela do FDP do Itamar(ainda não perdoei) e foi cair no pé de laranja. Árvore disgramada - meu pai poderia ter plantado no quintal. Os espinhos eram enormes. Corri para salvar a amada. Foi tarde.

Um dos espinhos foi implacável com meus sonhos de se impor no racha. A bola murchou e meus olhos - incontinenti - marejaram.

O FDP do Itamar saiu dando mil desculpas e querendo passar uma faca quente para tentar tapar o furo. Não deixei. Quando ele saiu fui chorar lá no quarto.

Nunca cheguei no campo com uma bola - para poder escolher o time e não ficar de fora.

Também nunca mais vi o Itamar - aquele...