A velha Salvador do Jereré do Macedo, do Toalha da Saudade e do Zanzibar

Dessas visões que de vez em quando somos acometidos quando vemos uma pessoa e que despertam uma imagem adormecida nas lembranças:

– Já fez seu pedido, senhor? – tirou-me das divagações o garçom.

– Gostaria de lhe perguntar uma coisa: de onde lhe conheço?

– Daqui.

– Não. Algo martela meu juízo de que lhe conheço de outras eras.

– Deve ser do outro bar que trabalhei, o Ipaneminha.

– Não. Tenho certeza de que não é dos bares daqui de Maceió.

– Fora daqui de Alagoas, trabalhei em Salvador.

– Isso! – quase gritei de euforia – Trabalhou onde em Salvador?

– No Jereré de Macedo.

– Sabia!!! Eu morava no Rio Vermelho e costumava ver o sol nascer sobre as águas de Amaralina, lá do Jereré.

Nos anos 1970 e início dos anos 1980 os bares fechavam à meia-noite em Salvador. No circuito da orla, somente o Jereré (ou jererê, conforme se pronunciava na Bahia) era aberto vinte e quatro horas durante os sete dias da semana. Não era um bar muito grande. Não havia luxo, mas a cerveja era bem gelada e o tira-gosto de primeira. E os garçons eram simpáticos, como o Castor, o que acabara de encontrar em um bar perto de casa, em Maceió. O movimento maior se dava depois da meia-noite, quando os outros bares fechavam, e permanecia cheio até o sol nascer.

Na Cidade Alta havia o Zanzibar, no Garcia, perto do Campo Grande, que também funcionava a noite toda. Era um reduto gay e naquela época não havia a onda de simpatizante ou similar. O cidadão era gay ou não era.

No bairro dos Aflitos, o saudoso Batatinha recebia seus amigos e clientes no "Toalha da Saudade", nome de uma música de sua autoria que fez sucesso na voz de Maria Bethânia. Só havia um contratempo: depois da meia-noite só ficava aberto até o último bêbado sair. Não era confiável. Se acontecesse de meia-noite não ter ninguém, o bar era fechado.

Quando me separei da minha primeira mulher fui morar na Graça, bem longe de Amaralina e do Jereré do Macedo. Então descobri o caminho do Toalha. Eu e o meu compadre José Bahiana, que passou a trabalhar no mesmo turno que eu, no polo petroquímico de Camaçari. Quando a gente largava o serviço à meia-noite, eu ia para a casa dele, no Largo de Santo Antonio Além do Carmo, ele pegava o velho fusquinha e íamos diretamente nos enxugar no Toalha da Saudade.

Uma noite demos com os burros n’água. O bar estava fechado. E tínhamos saído do trabalho sentindo o gostinho da cevada. A cidade era um deserto. O Jereré havia virado depósito de material de construção. O que fazer então?

– Vamos para o Zanzibar – falei.

– Tá doido?! A bicharada vai nos massacrar!

– Não se a gente entrar de mãos dadas. Eles vão achar que somos um casal gay e não vão mexer conosco.

Assim fizemos. E sequer olharam para nós com olhares lascivos. Só o meu compadre é que não gostou quando soube que a rapaziada alegre achava ser ele o agente passivo. E nunca mais quis repetir a dose. Preferiu deixar sua geladeira sempre abastecida de cerveja para as emergências desse tipo.