AS COISAS MUDAM
Soprei as velinhas e fiz um pedido. Meus sobrinhos rodearam a mesa e começaram a estralar os dedinhos para trazer a chama de volta. As velas reacenderam como num flash fotográfico. Nesse exato momento visualizei um homem extremamente tranqüilo, olhar sereno e uma crescente preferência por momentos de maior privacidade. Preferência pela conversa muda entre homem e livro, entre aprendiz e conhecimento.
- Sopra, sopra de novo tio. – é o que ouvi ao retornar daquela viagem instantânea. E soprei.
Novamente os dedinhos mágicos começaram a estralar, trazendo de volta a chama que desta vez, cegou-me. Abrindo assim, um imenso abismo interior, então cai até chegar a minha juventude. Meu corpo deu um salto mortal, virei duas piruetas, e corri cem metros rasos em quinze segundos.
Minha mente havia resolvido reviver em cores, peripécias que para este corpo, é definitivamente um capitulo encerrado.
- De novo tio... sopra.
Resolvi dar um basta nos lampejos e soprar bem forte. A medida em que me aproximava, as velas, o bolo, tudo ficava fora de foco. Procurei no bolso da camisa meus óculos pra perto. Pude então ver uma chama límpida como a vida. Vi minha fecundação, envolvida na chama do amor de meus pais. A revelia, o sopro correu por dentro do meu peito e apagou a vela.
Cadê os dedinhos? – Pensei eu.
Os estralinhos a minha volta pediam o retorno da chama.
Com minha vida escancarada em flashlights, procurei uma posição melhor para ver-me novamente em luz. A chama não voltou, e pela primeira vez senti cinco coisas diferentes ao mesmo tempo:
Senti minha gastrite arder como nunca, senti a dor de um torcicolo causado pela ânsia em posicionar-me, senti minha barriga encostar na cobertura do bolo, senti minha limitação física. Finalmente senti que havia chegado aos quarenta anos.