O OUTRO LADO DO TEMPO

Muitos dizem que o tempo passa rápido demais, enquanto outros rejeitam esta tese. Há ainda estudiosos que cravam, baseado em fórmulas matemáticas, que os dias ficam de fato mais curtos. A celeridade preocupa menos… ou mais, quando o tempo se desdobra em situações, cujas consequências não são lá muito claras. Foi o caso de Armando, um brasileiro apreciador de velharias que viajou para o sul do Irã, país do oriente médio, onde encontrou em uma loja do mercado de Shiraz, algo inusitado.

Logo na entrada, pilhas de tapetes persas e diversos outros objetos espalhados, mas um em especial despertou a sua atenção. O lojista que o atendeu, tratou de informá-lo dos detalhes referentes a ele; um relógio mágico da Pérsia do século 18. O “mágico” artefato… cunhado em madeira escura, tendo a parte superior arredondada e a base plana era rico em detalhes filetados em branco, vermelho e dourado. Maravilhado, Armando pagou pela peça um bom tanto em dólares e retornou ao Brasil três dias depois, feliz da vida pela aquisição. Após a sua chegada, iniciou uma análise minuciosa da peça.

Seus olhos focavam cada milímetro, cada detalhe. De repente, numa das faces, notou uma curiosa saliência. Com a ponta fina de uma chave de fendas alavancou e tracionou o ponto até surgir uma pequena gaveta, contendo em seu interior uma chave-borboleta, mais precisamente uma chave de corda, com haste alongada e serrilha na ponta. Em algum ponto da caixa do relógio haveria uma abertura para ela ser encaixada. Atento, procurou de um lado e do outro, até que… lá estava ela, no extremo oposto da caixa. Direcionou então a pequena chave-borboleta na fenda, girando-a suavemente. E de novo girou até ouvir um “CLÉC” que sinalizava ter destravado algo.

Alegrou-se ao ver que os ponteiros do relógio iniciaram um movimento contínuo, mas estranhou o fato de girarem no sentido anti-horário. Assustado, coçou a cabeça sem entender. Ato contínuo, olhou confuso para a janela do estúdio em direção à amoreira, que sempre o inspirava. Nenhum sinal da amoreira! Como num “fade” de edição, o cenário mudou do estúdio onde estava para o mercado de Shiraz, onde, dias antes esteve garimpando pilhas de bugingangas.

Pasmo e sem entender, caminhou pelas ruelas repletas de gente e parou de súbito ante um espelho que refletia sua imagem, como que testemunhando a veracidade do momento. Foi então que parou, pensou e recostou para não cair… estava em um período passado. Deduziu que o giro reverso dos ponteiros acionou um mecanismo temporal. O que fazer então? E ouviu novamente um “CLÉC”, o mesmo ruído que destravara o mecanismo do relógio, agora o trouxe de volta ao presente, no estúdio e ao lado do relógio… do tempo.

Andou quilômetros entre os quatro cantos do estúdio, tentando digerir a situação.Diria a alguém? Venderia a coisa por milhões de dólares? Afinal era uma raridade.Viajaria à época de meus ancestrais? Ao período quando deu o primeiro beijo em Cláudia, a ex-namorada, e se desse algo errado e ficasse preso no tempo? Todo cuidado era pouco. Não demorou muito e veio-lhe o sono, afinal, apesar de ainda ser dia os sintomas do fuso horário do Irã ainda se manifestavam. Adormeceu.

O sono era pesado e sequer notou a entrada do sobrinho de 4 aninhos no estúdio. Acordou muito tempo depois em um local estranho, recostado a uma árvore, tendo a visão do mar não muito distante. Próximo à praia alguns barcos estranhos, semelhantes a caravelas do século 15 ou 16, e para piorar, alguns índios corriam em sua direção… Tremeu. Algo havia dado muito errado enquanto dormia…