A CASA DE ADOBE

O alicerce, construído de pedras de mão, é a base sustentadora de toda aquela estrutura que resistiu por anos, mas se transformou em ruínas, a tapera. Foi com esse tipo de pedras, que construíram os muros que resistem por décadas riscando as montanhas e mantendo a divisa entre as propriedades. Para construí-los, usou-se milhares delas em tamanhos diversificados. Através de uma técnica antiga, encaixando perfeitamente umas sobre as outras, curiosamente, sem utilização de argamassa, construía-se uma obra que se tornou bicentenária. No solo não havia sequer assoalho. O chão batido em todos os cômodos evidenciava o quanto aquela moradia era simples e humilde. As paredes que ainda resistem em ruínas, foram erguidas com tijolos de barros, o adobe. Um produto feito da mistura adequada de uma terra específica com palhas ou fibras vegetais, esterco fresco e água. Após colocar todos os ingredientes numa pequena depressão do solo preparado, o construtor juntava e pisava a mistura, acrescentava a água, bem devagar, para conseguir uma massa bem homogênea e moldável. Na etapa seguinte, ela era colocada em formas de madeira para secagem diretamente sobre os raios solares por um determinado tempo. O telhado, hoje destruído, foi construído com telhas de argila cozida, encaixadas sobre um trançado de madeira retirada das matas nativas. Os móveis foram confeccionados para cumprir, minimamente, com as suas funções para aquele ambiente. Baús, camas, mesas, bancos, prateleiras todos em madeira rústica. No quarto das crianças montava-se o dormitório para aquela que fazia xixi durante o sono. Era o "jirau", um móvel fabricado com quatro peças de madeira na vertical e varetas de bambus amarradas na horizontal onde montava o colchão de sacos de rafa costurados e enchidos de palhas de milhos. Os colchões das outras camas também eram feitos nesses moldes. A bacia de metal encostada atrás da porta da cozinha era muito útil à tardinha na hora do banho diário, que se tomava ali mesmo, entre o fogão e o banco de madeira. O fogão de lenha, também em adobe, era o coração da casa, poderoso, rústico, a mola mestra, o motor que fazia tudo funcionar, companheiro inseparável da dona de casa, mantinha a residência aquecida. Ao seu redor tachos, bules, canecos, conchas, colheres de pau, peneiras tecidas de bambus, pendurados na parede com pintura já destonada. As peças de ferro ou argila como panelas e chaleiras ficavam expostas estrategicamente nas suas trempes ou pelos seus cantos. Utensílios eram acomodados na prateleira: colheres, garfos, facas, canecas e pratos de metal esmaltado e coador de pano para café. Na prateleira também se mantinham alguns alimentos, porém em porções menores para o uso diário. Os cereais ficavam guardados em recipientes de madeira ou de bambus traçados. Normalmente, o lavrador os depositavam em um dos cômodos da casa ou no paiol, uma construção simples próxima à casa, feita de paredes em pau a pique e teto em sapê. A planta trepadeira apelidada "bambuzinho" alastrava por todos os cantos, formando um arco ornamental na entrada do casebre, dando boas vindas aos visitantes. No quintal, se destacavam as árvores frutíferas. Mas, as diversas moitas de canas roxinhas e os seis pés de café ocupavam boa parte do terreno. Tanto o caldo, conhecido como “garapa” e extraído da cana através de uma engenhoca manual que exigia um certo esforço para o mauseio, quanto o café que após torrado era moído no pilão ( utensílio feito de um troco de madeira, onde se fazia uma cavidade no centro e colocava-se o café para moer, sendo batido com um bastão liso, chamado mão do pilão) eram essenciais no preparo da primeira refeição da família no dia. O terreno, medindo pouco mais de um hectare, era onde se mantinha constantemente uns pezinhos de milhos de onde se fazia o cural, o feijão de corda, as vargens e o chuchu de onde se fazia o jembê, a abóbora e a moranga de onde se fazia o doce e o purê. Havia uma horta cercada por taquaras traçadas em dois fios de arame farpado, com intuito de evitar o acesso de cães, galinhas e outros animais silvestres que por aventura circulariam pela área e consequentemente prejudicariam o cultivo das verduras e legumes.

Era nesta casa que vivia com a sua família, o humilde lavrador. Um nobre trabalhador. Em um passado não muito distante no Brasil, ele já desenvolvia seu trabalho dentro da agricultura familiar. O recurso da mecanização ainda não era tão comum. Com seus próprios braços e suas ferramentas agrícolas desgastadas ou muito pouca das vezes com o arado de tração animal, o nobre homem roçava a coivara e escavava sulcos na terra para o plantio e cultivo de seus produtos. Era uma tarefa anual cumprida desde a juventude. O sonho de um jovem nesse cenário que lhe era apresentado, quase se limitava com o que se vivenciava na realidade. Agindo como um realista, o seu projeto de vida era baseado na sobrevivência e dignidade suas e as dos seus.

Em tempos atuais, é lamentável ver o terreiro sendo tomado pela grama que após persistir durante anos, se tornou imbatível. A enxada que a golpeava a cada tentativa de invasão ao espaço alheio, já não é manuseada desde que seu dono, o lavrador, até então fiel a ela, por um motivo ou outro se foi. A mangueira repleta de frutas, as sustenta até o limite em sua copa esperando que alguém colha as que apodrecem entre suas raízes expostas. Os pássaros que estão sempre pousando nos vãos das janelas sem ser incomodados, se fartam de laranjas, bananas e pêssegos abundantes em suas genitoras. O barulho da queda de água na bica que ficava próxima da cozinha, onde a pedra de bater roupas e de secagem das panelas e tachos acumula lodo pelas laterais, nunca foi tão audível. Se se atentar pode ouvi-lo, além do jardim que se formou na entrada, qualquer pessoa que se aproxima do portãozinho de madeira com dobradiças feitas de ferraduras velhas e pedaços de borracha de pneus, trancas com tramela de candeia, madeira resistente e maciça, a mesma utilizada na fabricação dos mourões da cerca feita com arame farpado que se enferrujou com o passar dos tempos, localizada próxima à estradinha de terra, parte do caminho seguido pelos cavaleiros da redondeza e do gado nelore. O jardim que antes era ocupado por plantas diversas, desde as ornamentais às medicinais, como a arruda e o capim limão que se destacavam pelo cheiro alastrando pelo ar, os lírios, as margaridas e as palmas pela exuberância, hoje sobrevive com os pequenos arbustos como os ciprestes que abrigam os ninhos de garrinchas e beija flores.

Sílvio Assunção
Enviado por Sílvio Assunção em 11/02/2019
Reeditado em 29/03/2019
Código do texto: T6572660
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