O RIO DA ESPERANÇA

Um rio extenso em seu comprimento, porém estreito na largura, isto é, de uma margem à outra. Alguns consideram rasa a sua profundidade, inclusive nos períodos chuvosos. Não é navegável. Em destaque, o pequeno trecho do seu curso, onde se encontram as fazendas e os sítios. Os donos dessas propriedades, os colonos e os ribeirinhos são os responsáveis pelas diversas atividades desenvolvidas na região, principalmente a econômica. Lugar de uma biodiversidade interessante. Suas águas ora claras, ora vermelhas e barrentas, avançam com toda liberdade do mundo por suas curvas sinuosas. Vez e quando turvas, pois são vítimas constantes da exploração mineral e ainda da construção da estrada férrea, há décadas. Durante o processo da mineração, a terra lavada e alguns produtos utilizados produzem rejeitos que são lançados em suas águas. Assim como, no período de construção da ferrovia, quando no ápice das atividades de corte ou perfurações dos trechos mais elevados, cedendo lugar aos túneis e trilhos, decretando o fim de um ciclo agrícola, como os cultivos de algodão e café, por exemplo e, em contrapartida o progresso econômico através do transporte do minério de ferro. Toda essa transformação, consequentemente, provocou um excesso de terras que em dias chuvosos, se arrastou para suas correntes. Um volume de detritos considerável que causa o seu assoreamento, inclusive, o das represas. Todavia, ele é resistente no cumprimento de sua sina. Quando se joga entre as pedras arredondadas, garante sua imponência diante dos olhos de quem o observa, apesar de existir alguém que lhe considera discreto. É forte até mesmo nas quedas. Move o moinho para moer o milho e o engenho na fabricação da cachaça, mantém a usina produzindo energia elétrica e a lavoura irrigada. Um rio que refresca a meninada, também produz peixes, arrasta nutrientes e sacia aves, suínos, bovinos e equinos. A sua missão é permanecer perene. A construção da barragem para reter parte de suas águas e tornar possível a realização das diversas atividades da propriedade, não altera a rotina do seu percurso, num lajeado em declive onde são encontrados bagres e branquinhos em quantidade satisfatória. O empregado opera as comportas instaladas a determinados pontos da valeta ou dos dutos que conduzem a água necessária para o funcionamento de cada sistema (a usina, o moinho e o engenho). A água que cai o tempo todo na pocilga mantém os porcos em um ambiente propício para reprodução e engorda.

A vazão desse importante rio potencializa-se quando recebe uma quantidade considerável de água de seus afluentes. São águas que contribuem para o seu volume, transmitindo segurança e esperança para quem investe naquele rincão. As nascentes desses córregos normalmente estão enfiadas nas grotas que se formam a partir dos pés dos morros íngremes. Local de difícil acesso, mas é onde podemos encontrar a água em seu estado natural, ou seja, como ensina a professora de ciências, limpa, incolor e inodora. Em geral, ali é o local preferido pelos animais silvestres para saciarem sua sede. Sabendo disso, eles procuram concentrar grande parte das suas atividades por essas mediações, principalmente nos períodos quentes do ano. Seria o melhor dos mundos, se todos nós ao consumirmos esse líquido precioso, pudéssemos usufruir dele nessas condições. Com certeza, determinadas doenças que assolam nossa espécie, não seriam motivos de preocupação para os profissionais que realmente dedicam à saúde humana. Na maioria das vezes acontece uma troca de benefícios nessa relação entre o rio e seus afluentes. As águas claras mantém seu fluxo constante, conservando o bioma sem alterações, pois o rio está sempre a disposição para recebê-las. Seria desastroso se essas águas não escoassem para o rio, pois comprometeria a sua vazão. Porém, outra situação adversa pode ocorrer de forma não tão benéfica, como por exemplo, quando as lamas originadas de erosões que acontecem nas proximidades dos córregos, são arrastadas por um trecho até se adentrarem pelo rio afora. Durante esse evento, várias espécies são levadas juntas com o lamaçal. São plantas e peixes existentes nos córregos e brejos. Assim como os peixes não sobrevivem nas águas correntes e turvas do rio, as plantas não vingam em suas encostas. Nos afluentes e em toda área próxima, as plantas e os peixes que permanecem no bioma, conservam a característica própria do local. Entre os peixes se destacam o cará, a traíra e a cambeva. Já entre as plantas predominam as taboas e as samambaias, inclusive as comestíveis chamadas pelos ribeirinhos de “cumê do brejo”. Aqueles que possuem terras próximas aos córregos e brejos, tem a oportunidade de explorarem a fertilidade do solo. Com água em abundância, cultivam verduras, legumes e em destaque os tubérculos como a taioba e o inhame.

A mata ciliar é uma grande contribuinte pela existência do ecossistema daquela região. Além de garantir o fornecimento de água para o rio através da absorção das chuvas, ainda oferece a moradia para toda fauna. Ali é de onde partem algumas trilhas de animais que ligam a mata às encostas do rio. Cada uma delas possui sua característica própria que se identifica com cada tipo de bicho. Existem as dos répteis como as cobras peçonhentas e os lagartos ariscos ou as de outros mamíferos como o tatu, a lontra e a paca. Elas são definidas pelos rastros deixados pelo animal. Já os cães conseguem diferenciá-las através de uma habilidade única, o faro. Os mamíferos não só circulam pelo solo, assim como nem todas as aves tem o habitat natural as copas das árvores. Essa troca de papéis acontece quando se observa micos e macacos pulando de galhos em galhos, ouriços em estratégia diferente, quietos nas forquilhas das árvores e as maritacas e sabiás construindo seus ninhos nos barrancos do rio ou ainda anús em bando pelo chão catando pequenas formigas de correição. Na beira do rio, entre a correnteza e as encostas, onde os pescadores andam em tempos de águas não tão rasas, os rastros da bicharada ficam ainda mais visíveis. Em raras coincidências o homem e esses animais se cruzam por esse lugar. Normalmente, eles se desviam um do outro e os dois seguem seus rumos. Apoiando-se aqui e ali ou na vara de pesca, agarrando em raízes e galhos de árvores, o moço segue tentando pegar seu peixe pelo terreno íngreme, revestido por pedras redondas cobertas de lodo em alguns pontos. Ele não se atenta apenas com as cobras em seu caminho, mas também com as plantas como a japicanga, o capim sapê com seu espinho perfurante, a unha de gato e o esporão de galo. Com exceção do sapê, todos causam ferimentos doloridos que podem provocar cicatrizes permanentes na pele.

O leito do rio da esperança apresenta uma aparência própria para cada época do ano. Com seus níveis se alterando, uma vez no limite das margens e outra bem além dele. As águas de março em ambulância reviram paus e pedras até o fim do caminho, encerrando o verão. As árvores que avançaram com seus galhos retorcidos além do remanso, se apavoram ao perdê-los após devastadora correnteza. Répteis ziguezagueiam em desespero para lá e para cá sobre a tormenta. Já os anfíbios e os peixes, menos relutantes, são levados para as várzeas alagadas. Nessas condições, os peixes garantem uma “ mistura” farta na mesa dos ribeirinhos. Durante o escoamento das águas da enchente, eles se tornam uma presa fácil, encurralados pelos pequenos diques formados para viabilizar o cultivo da lavoura. A areia antes assentada no fundo, agora é revirada juntamente com pedaços de madeiras podres (produz uma espuma que se compara com a do café no coador de pano pela manhã) se acumulando na parte baixa do leito pelo lado interno da curva e formando um areal que em outra ocasião, abrigará a meninada em busca de diversão com seus brinquedos como carrinhos e bolas. É tempo em que o sol quente estala mamonas das plantações que se formaram em um recanto fértil bem próximo do nosso querido rio. No outono, venta. E o vento deixa as árvores com menos folhas que ao caírem sobre as águas vão girando, girando até encostarem no barranco. São árvores como a caneleiras produtoras de sementes, ou produtoras de frutas, como as goiabeiras e as ingazeiras. As frutas, basicamente, mantém a alimentação de alguns animais por um bom período do ano. No inverno obviamente esfria, diminui a temperatura, cai geada, neblina e nevoeiro. As margens ficam cobertas com o que se parece nuvens. Um fenômeno que permanece ali até o final da manhã. Com a umidade do ar baixa, acontece a evaporação e em consequência a água míngua. É uma época em que os habitantes ribeirinhos aproveitam para manter ativa uma via construída para travessia do rio, facilitando sua locomoção de um lado para o outro da margem. Montados em cavalos, não precisam recolher os pés para não se molharem. A travessia é, também, o objetivo das pinguelas, que são pontes pequenas de bambus, conseguidos nas encostas. Nesse ambiente é comum encontrar essa planta e outras semelhantes como a taboca, a vara de pesca e até mesmo o capim napier. A técnica utilizada na construção da pinguela garante que ela resista até a chegada das cheias. As pilastras de madeira em duplas são separadas por dois bambus gigantes unidos e posicionados na horizontal com amarras de cipós São João, planta flexível, robusta e apropriada para amarração, mas vulnerável quando suas lindas flores com nuances avermelhados se desabrocham. Os pares de toras na vertical são fixados em três pontos, nas de extremidades e no centro, transpassando um pouco mais de um metro da base da passarela, onde são instalados os guarda mãos feitos de bambus comuns. A partir da nova estação, a das flores, as tardes ficam mais longas e o por do sol se faz em tom alaranjado. As borboletas e as libélulas fazem sobrevoos rasantes na lâmina da água. Da vista interna do rio, podem-se admirar as quaresmeiras roxas, os ipês amarelos, os imbiris, as bromélias e outras plantas típicas que enfeitam os dois lados das margens com suas flores deslumbrantes. O nível da água começa a retornar ao ponto normal, após o período de estiagem. Mas, o pescador ainda pratica sua atividade, por dentro do rio. Usando um calção ou a calça com as pernas arregaçadas acima dos joelhos, ele consegue seguir sem molhar as roupas. Joga o anzol nos cantos de águas calmas e espera o peixe para fisgada, quando os mosquitos borrachudos cismam de dificultar a ação, zumbindo em seus ouvidos. No bornal pendurado no ombro, cruzando o peito, ele leva a garrafa de bebida, o “salgado”, a faca afiada, as iscas, alguns acessórios para pesca e a botina velha e, ainda, reserva um espaço para guardar o pescado. De longe ele percebe acima do barranco, um menino segurando firme uma varinha de pesca modesta com suas pequenas mãos. Aproximando-se dele, o convida para descer, sugerindo em tom de brincadeira que o garoto teria medo de água. Porém, o menor negando tal limitação, mostra-se apressado. Pois, sua pretensão é apenas pescar uma ou duas piabas e fritá-las na gordura de porco, após lambuzá-las no fubá. Assim, ele garante o petisco para o almoço que sua mãe acabara de aprontar.

Sílvio Assunção
Enviado por Sílvio Assunção em 13/02/2019
Reeditado em 29/03/2019
Código do texto: T6574300
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