A SINA DE PERCIVALDO

Quando cheguei em casa, percebi que o Percivaldo me olhava daquele jeito de sempre. Um olhar acusador. Isso passou a acontecer todos os dias, desde o dia dos pais, após sua chegada. Ele tinha razão, afinal eu até me sentia culpado pela situação que ele se encontrava. Então, precisava ter essa conversa com ele: “não foi minha intenção te prejudicar, Percivaldo! Aliás, nem pensei nessa hipótese, após a minha atitude! Ao mesmo tempo, acho que deveria ter pensado em outras possibilidades em que o meu plano não pudesse ter dado certo. Estou arrependido e prova disso é que estou me esforçando para me redimir. Eu e todos aqui de casa, até mesmo o cachorro desastrado, estamos tentando colaborar para que sua estadia seja a melhor possível. Meu filho foi quem tomou a iniciativa de lhe acolher. Com certeza, esse é o motivo dele ter conquistado a sua confiança. Mas também, até tocar violão pra você, ele toca. Ele disse que é para te acalmar. Mas acho que você já está calmo. Vejo que está tranquilo, porque come, bebe, toma seu banho... e não lhe vejo reclamando. Devo acreditar que em breve você irá embora. Ainda não sabemos como vai ser, se sentiremos sua falta ou vice-versa. Mas se sentir falta, com certeza irá voltar aos miúdos, ou seja, vez e quando.” No início, assim que chegou, Percivaldo vivia assustado. Tinha medo do cachorro. Afinal, o vira latas não suportava só de vê-lo. Percivaldo sempre teve pelas redondezas. Aqui em casa ou na vizinhança. Sua presença sempre deixava o cão inquieto, também o que é que não inquieta essa criatura. No decorrer do tempo, se acostumaram com a presença, um do outro. Somente quando os amigos de Percivaldo vinham visitá-lo, é que o bicho ficava irado. A situação que Percivaldo vivia não era das melhores.

Mas afinal, porque que ele estava nessa? O quê que ele teria feito? Para explicar a situação de Percivaldo tenho que falar de um bicho detestado por todos, eu diria. É o camundongo. Que bichinho detestável! Há um tempo atrás um desses roedores, ou poderia dizer aterrorizadores, encasquetou na cabeça que deveria conquistar novos horizontes, ou seja, não se limitaria a viver apenas no quintal dos vizinhos, mas que deveria explorar também o quintal da casa de varanda com telhado colonial. Isso mesmo, aqui em casa. Deu panos pra manga. Se o bicho viesse pelo chão, o cachorro “doidão” voava na carcaça dele. Então, só lhe restou o muro. Seguia pelo muro, pela parede até chegar ao telhado. Ali no telhado é que o problema se agravava. Agora pensa em um troço chato. Pensou? Agora dobra essa chatura. Talvez esse bichinho seria o resultado dessa conta. Sua chegada era sempre a tardinha para noite. Além de nos perturbar, incomodava o cão que, inquieto, incomoda todos (nós aqui em casa, os vizinhos e a metade do bairro). Você há de concordar que, com certeza, um ratinho como esse é indesejável. Partindo dessa constatação, resolvi armar um plano pra pegar o danadinho. Como seria? Uma ratoeira? Uma isca com veneno? Essa última possibilidade foi descartada quando imaginei que poderia envenenar o cachorro ou os gatos que também circulam por aqui. Segui para loja de pets em busca de uma ratoeira, uma armadilha... enfim um negócio que pudesse eliminar o nojento. O atendente bem solícito, me apresentou uma novidade dizendo que era tiro e queda. Ele disse que o camundongo não passaria daquela noite e que a sua batata estava assando. Tratava-se de uma armadilha com o nome “cola rato”. Achei interessante e comprei por quatro reais para fazer um teste. Chegando em casa instalei a arapuca entre a madeira e a telha, ali na quina da parede, imaginando que seria o caminho do bichinho. No dia seguinte, nada. Mas percebi também que ele não havia perturbado naquela noite. Daí, resolvi ler novamente o manual do “cola rato” pra ver se havia esquecido algum detalhe. Havia sim um detalhe, o chamariz. Não tinha colocado o chamariz. Mas, o quê que deveria colocar para atrair o malandro? Sim, a ração do cachorro, afinal pode ser que é atrás dela que o roedor estava vindo. Então, coloquei a isca. Noite seguinte passou e nada. Na manhã seguinte, manhã de domingo dias dos pais, enquanto nos preparávamos para o almoço, tentava ajudar com a churrasqueira, um churrasquinho pra quatro pessoas, rapidinho. Ainda bem que foi rápido, porque as duas horas seguidas daquele momento foram agitadas ou no mínimo surpreendentes. Quando o meu filho veio do quintal dizendo que a emboscada havia concretizada, ou seja, alguém havia caído no “cola rato”, larguei tudo e fui averiguar quem estava enrascado. Era o Percivaldo. Imediatamente pegamos a escada, meu garoto subiu e retirou tudo aquilo da beira do telhado e colocou sobre a mesa do quintal. Com cuidado, tocou as costas do Percivaldo que reagiu com agressão no primeiro momento. Ele estava apavorado, preso naquele negócio. Era uma cola resistente que ele não conseguia se soltar. Mas o filhão, mais uma vez, com calma conseguiu desgrudá-lo. Tomou algumas bicadas. SIM!!! Percivaldo (escolhido pelo meu filho) foi o nome dado ao pássaro, um bem-te-vi que sempre teve no quintal catando a ração do cachorro. Desta vez ele se deu mal na armadilha que armei. Após retirá-la da arapuca verificamos os danos causados à ave. Constatamos que o passarinho estava com todos os membros perfeitos, mas que por ter perdido muitas penas, das asas e todas do rabo e por estar ainda com o corpo cheio de cola, não poderia ser solto. Ele não sobreviveria. Porém, onde Percivaldo deveria ficar? Que lugar ele poderia ficar protegido até se recuperar? Seria numa gaiola. Só que não tínhamos gaiola. Então, tive que passar por pelo menos duas horas tentando conseguir uma e prepará-la para o hóspede. Na rua com a gaiola nas mãos as pessoas perguntavam: “ tá criando passarinho?” Eu respondia que não, tentando explicar o ocorrido, porque encontrava justamente aquelas pessoas que sabem ou imaginam que eu não tenho passarinho em gaiola. Nessa hora, o churrasco já estava pronto e o meu garoto ali firme, com o desastrado nas mãos e os dois lambuzados de cola. Enfim, conseguimos enjaular o desajeitado. O bichinho ficou sem ação, quando foi colocado na gaiola. Também não tinha nada a fazer, a não ser tirar aquele grude todo de suas penas e em seguida limpar o bico no poleiro. Era essa a situação que Percivaldo se encontrava. Mas ele tentava se recuperar. Esperando estar em plenas condições de sobrevivência com suas próprias forças, provavelmente, quando a sua liberdade fosse devolvida.

Há quem diga que não sabe do que se trata e insiste em dizer que sequer ouviu falar de um certo “projeto” de uma emissora de TV que se intitula “ Que Brasil que eu quero para o futuro”. É uma forma de declarar mesmo que de boca pra fora “ ah, eu não assisto essa emissora...”. Só o fato de assistir um programa de TV ou uma programação toda, não determina que uma pessoa forme sua opinião influenciada por uma emissora, desde que essa pessoa tenha poder de senso crítico. Mas, aconselha-se não assistir toda programação de uma emissora de TV continuamente. E o Percivaldo? O quê que ele tem haver com isso? Acontece que há rumores que Percivaldo, mesmo antes do ocorrido na emboscada, vivia em uma luta constante para sobreviver, tipo assim, vida de brasileiro. A presença de sua espécie está cada vez mais comum no cotidiano humano. Os bem-ti-vis estão nas praças, nas alamedas, nos fios dos postes, nos muros e quintais. Eles se tornaram domésticos, digamos assim, adquiriram uma certa dependência do “bicho” homem. O perrengue de Percivaldo surgiu depois que ele se tornou dependente da ração do cão. Todos os dias, ele e seus amigos combinavam uma nova estratégia para afanar o alimento industrializado. Quanto aos rumores, suspeita-se que em uma das conversas do nosso passarinho com um dos seus parceiros, ele se lamentava em não poder ter uma vida mais tranquila e que sonhava em um dia conseguir um lugar seguro onde a ração seria à vontade, teria água fresca pra beber e pra se banhar e ainda toda assistência às suas necessidades. Esse era o Brasil que ele queria pro futuro. Queria? Mas como assim, não quer mais? Não é que ele não queira mais. Mas é que seu desejo se concretizou de uma forma tão desastrada, que até hoje ele ainda tem dúvidas de qual seria, realmente, a vida que havia sonhado. Após o desastre, ele passou a ter tudo o que desejava e tinha dificuldade de conseguir, só lhe faltava algo que ele acreditava que era básico e comum para vida, a liberdade. É assim mesmo, bicho de pena! Às vezes pedimos a Deus tantas coisas que não temos disponíveis a todo momento, que esquecemos das que temos gratuitamente, como a possibilidade de respirar, abrir os olhos e enxergar, levantar-se, caminhar... Talvez é porque acreditamos que Deus nunca irá tirá-las de nós, por Ele ser misericordioso e sermos seus filhos. Realmente, Ele não nos tira nada de bom. Somos responsáveis pelos nossos atos e somos nós que colocamos ou não as coisas boas em nossa vida. É o livre arbítrio.

O bem-te-vi continuava firme e determinado em sua recuperação. Percivaldo não tinha mais nada a fazer, a não ser viver um dia de cada vez e aguardar para que com tempo tudo voltasse ao normal. Para isso, ele contava com o apoio de quem iria ajudá-lo e como poderia realizar tal ajuda. Meu filho, por exemplo, se transformou no “Dr. Coelho, o fisioterapeuta”, inspirado no apelido comemorativo que ele ganhou no evento dos formandos, “Sr Coelho 16”. Isso porque, tornou-se uma tarefa quase que diária, tirar o debilitado da gaiola e deixá-lo saltitando pela varanda para que pudesse recuperar os movimentos normais dos membros motores. Era uma fisioterapia. Após os exercícios ele ouvia um pouco de solo de violão para relaxar. Se o violonista estivesse inspirado, poderia até rolar uma palinha. Sempre tentei colaborar. Quando alguém por um motivo ou outro não limpava o cafofo da ave ou não a reabastecia de água e comida, eu entrava em ação pela retaguarda e executava a tarefa. A verdade é que toda ajuda era bem vinda, até mesmo a torcida de todos. Mas, de uma coisa devemos ter certeza, quando o enfermo não se esforça para se reabilitar, os esforços dos que estão ao seu redor são quase inúteis. Portanto, somente se esforçando o Percivaldo poderia seguir no rumo da sua recuperação.

Na volta pra casa, após o trabalho, entre às cinco e seis horas da tarde, ainda alcanço alguns pássaros que pousam estrategicamente sobre os muros (tanto nos das divisas entre as casas, quanto nos que as limitam da rua) para capturar os pernilongos que se aglomeram pelos cantos dos quintais e pelas árvores nas calçadas. São passarinhos, na maioria, as lavadeiras mascaradas ou também conhecidas como marias brancas. Elas, os pardais e até mesmo as rolinhas ou pombas-rolas, tem características que assemelham as dos bem-ti-vis. Mas, ainda enfatizando, tenho visto apenas as marias brancas catando insetos. Talvez as demais espécies permitem, de alguma forma, serem atraídas pelos restos de alimentos industrializados que descartamos. O que pode estar acontecendo é uma relação de troca entre o homem e os bichos. Eles são atraídos pela facilidade do alimento farto que lhes possibilitamos e em contrapartida garantimos a nossa distração com as suas brincadeiras, atitudes e particularidades. Se os nossos antepassados domesticavam os animais para lhes protegerem e lhes ajudarem em tarefas diárias, atualmente criamos uma necessidade de domesticá-los, buscando neles, algo que nos garanta alguns momentos mais tranquilos e leves para o nosso cotidiano, talvez até para suprir uma suposta carência de diálogo e afeto entre nós humanos, proveniente da vida moderna que levamos. Esses bichos, por sua vez, também se adaptam facilmente com as modas dos seus donos. Mudam os hábitos de vida e a alimentação. Até adquirem doenças que antes, naturalmente, suas espécies eram imunes. Concluindo, geralmente, vivemos em um clima harmônico com os animais. Um dos meus irmãos disse, com outras palavras, em um áudio que recebi no aplicativo do celular, que a fêmea do canário é gorda porque fica ali no chão próximo do terreiro comendo os troços e não voa grandes distâncias pra buscar comida. Mas ele, o canarinho macho, é magro e fininho, porque se alimenta de sementes e frutinhas no meio do mato e está sempre voando daqui pra ali.

As rolinhas estão entre os pássaros que se arriscam em sobrevoar o quintal daqui de casa, além dos bem-ti-vis. Elas ficam bem a vontade, aparentemente, pois vi uma delas tentando construir um ninho no canto do telhado. Não posso afirmar que, lamentavelmente, seja ela que tenha sido capturada pelo “cola rato” no dia seguinte à captura do Percivaldo. Pois ainda não havia tomado a decisão de desfazer da armadilha. A pombinha se enroscou e caiu com tudo aquilo no chão. E ali, indefesa, não teve a mesma sorte que o bem-ti-vi. Nenhum outro animal fica à vontade no chão do quintal. Nem os gatos, nem os ratos e nem mesmo os pássaros. Já foi dito que o cachorro é “doidão”, né? Pois bem. O tal do “cola rato” pegou o Percivaldo e a rolinha. Mas, e o rato? Vamos falar sobre ele.

Após chegar, tomei um banho e fui pra cama dar aquela esticada nas pernas. É de lei. Afinal, “aqui é trabalho”. Aproveitei pra ver quais seriam as 101 mensagens que o WhatsApp notificava. Dentre as mensagens algumas do grupo da família. Não tinha da irmã caçula, nem do sobrinho recém formado e nem do meu filho, imagino que concentrados nos estudos, deixaram o aplicativo de lado. Mas, tinha postagens com novidades da minha irmã, a novata do grupo e do mano e sua esposa e, ainda, as viagens do casal de irmãos do meio. Fico como, quando as vejo? Em seguida entro no “Face” e deslizo o indicador sobre a tela do aparelho. Deslizo, deslizo...de repente, percebo que algo estranho estava acontecendo no quintal. O quê que é isso? O quintal se transformou em uma savana africana cheia de animais de grandes portes? Leões, girafas, elefantes e rinocerontes se movimentando pra lá e pra cá com aquelas passadas estremecedoras. E no meio daquela confusão toda, acontecia um embate entre dois machos de rinocerontes pela conquista da fêmea ou da liderança da manada, sabe-se lá. O barulho da briga era intrigante. Eu assistia tudo, quase imóvel. E aquilo parecia interminável. Quando, rapidamente, saí do modo of e encerrei o cochilo do final de tarde. Porém, a barulhada dos rinocerontes ainda continuava. Como assim? Não era um sonho? Sim era um sonho, não havia rinoceronte algum. Afinal, quem tumultuava no quintal? Na verdade, eram dois bichos, mas o cachorro e o camundongo. O bichinho nojento arriscou em uma investida pelo chão ou talvez tenha se desequilibrado do muro e parou nas garras do canino irado. Foi um combate barulhento, mas rápido e mortal. Sem chance pro roedor. Triste fim do pivô da emboscada sofrida pelo Percivaldo. Enquanto isso, o bem-te-vi se acomodava no poleiro, se preparando para se repousar cobrindo a cabeça com a asa.

Na atual moradia do Percivaldo existiam dois poleiros. Eu nomeei-os de um e dois. O um era o que ficava próximo a vasilha de comida e o dois foi onde amarrei o pote pra água. Ainda coloquei outro pote para água no chão da gaiola. Num sábado de manhã, quando me levantei e me preparava para colocar o lixo na rua, vi o passarinho inquieto no cafofo. Parei para observar o que poderia ter acontecido. Ele estava todo agitado no poleiro número um, olhando para a vasilha de comida, dali pulava no assoalho, saltitava até no pote de água e em seguida pulava para o poleiro número dois e olhava para o pote d'água. Poleiro um “olhadinha”, assoalho, poleiro dois “olhadinha”...esses movimentos repetiram por duas vezes. Eu ali, tentando entender o que estava acontecendo. Do nada, o bicho deu um grito ou um canto, sei lá, “BEM-TI-VIIII”, tipo: “seu otário, não entendeu ainda? Estou sem água e sem comida!!” Depois dessa, me apressei, confirmei o comunicado e tratei logo de satisfazer a vontade do suruco. Lavei a gaiola, os potes e abasteci tudo. Dei um moral pro marrento e folgado. Já se viu? E em homenagem à demonstração da capacidade de comunicação apresentada pelo “pouca pena”, resolvi presenteá-lo. Troquei a gaiola de ambiente. Consegui um local seguro e com sombra no quintal, debaixo dos galhos da mangueira que transpassam o muro da divisa. Ali ele ficou igual pinto no lixo. Em um determinado momento, até vi um dos seus amigos pendurado na gaiola, contando as novidades. E assim foi aquela tarde de sábado do Percivaldo.

Os fatos inusitados referentes à história do bem-ti-vi Percivaldo, me motivaram a pesquisar um pouco sobre essa espécie de ave. Então, surgiram algumas perguntas de como tudo deveria se suceder. Por exemplo: como seria a pesquisa? Por onde começar? Quais seriam os mitos e as verdades sobre o bem-ti-vi? Já que me despertou essa ideia e concluí que seria no mínimo interessante, decidi fuçar no assunto. Inicialmente, investi no método mais fácil e objetivo, a internet, óbvio. Tem muita coisa lá. Como todos sabemos ou deveríamos saber, existe muita coisa interessante no mundo virtual, mas tem muita besteira que devemos desconsiderar, definitivamente. A decisão foi me atentar pelas informações que considerei importantes. Relatando alguns dos mitos e verdades encontrados na rede sobre esse passarinho típico do cerrado brasileiro, destacarei o ponto de vista de um professor chamado Plínio Corrêa de Oliveira ao postar no site da Associação do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, que diz: “O bem-ti-vi representa alegria pelo simples fato de ser... Ele saltita tanto, voa tanto, movimenta-se tanto, bate as asas no sol, descansa sobre o tronco esverdeado de musgo...ele proclama o que há de bom no simples fato de viver...ele lembra ao homem a virtude da prudência, da sagacidade, da desconfiança. ‘Eu bem vi!”. No site anilhascapri , o passarinho é visto bem popular, pois em cada país recebe um nome próprio: em inglês, ele é conhecido como kiskadee, em francês é conhecido como qu’est ce e em espanhol é conhecido como bichofeo. E quanto a reprodução da espécie, afirmam que acontece no período entre setembro e dezembro. No site, ainda podemos encontrar pelos menos duas histórias sobre o bichinho, que são consideradas mitos. Na primeira diz que “o bem-te-vi é um pássaro odiado por Deus. Isso porque ele não parava de cantar “bem-te-vi, bem-te-vi” quando Jesus estava escondido dos soldados que o queriam matar, fazendo com que fosse encontrado. Obviamente isso é apenas uma lenda”. Na seguinte, fala que “há uma crença popular, que chama o bem-te-vi de anunciador de chuva. Dizem que, quando muitos bem-te-vis começam a cantar é porque a chuva está para chegar”. No site www.autores.com.br, consegui encontrar mais uma lenda sobre o pássaro. Dessa vez são as ditas premonições: “Diz a lenda que se você deseja saber se alguma visita vem a sua casa, basta perguntar ao bem-ti-vi:

- Virá alguém hoje em minha residência ?

Se ele gritar , no mesmo instante, a expressão ‘bem-ti-vi’ é porque você receberá visita de homem. Porém, se ele demorar para berrar é sinal que chegará uma mulher em sua casa.” Em Sergipe, a molecada persegue o coitado do passarinho a pedradas, pois, segundo a lenda, foi ele quem denunciou Jesus Cristo, quando era perseguido. Injustiça, ora! O bem-ti-vi não poderia viver lá, porque não se adaptaria à região do Oriente Médio, de clima e ambiente completamente diferente do nosso. Já em Belém do Pará dizem que quando um bem-te-vi canta no quintal da casa é porque tem alguma mulher grávida naquele endereço. A lenda atribui ao pássaro o papel de "anunciador”https://www.campograndenews.com.br/artigos/bem-ti-vi. Ainda na internet, o doutor Coelho pesquisou algumas curiosidades sobre as aves. Nas buscas, ele quis saber como descobrir a sexualidade dos pássaros e nos surpreendeu quando foi informado que a descoberta só poderia ser feita através de exame de DNA. Isso mesmo! Seria necessário um exame de DNA se quiséssemos ter a certeza da sexualidade do Percivaldo. Ele descobriu que através do formato do rabo do passarinho, também seria possível saber se ele era macho ou fêmea. Agora imaginem o formato do rabo de um bicho suruco? Também não consegui imaginar. Saindo um pouco da pesquisa virtual e revelando um relato familiar, devo lhes dizer que em uma ocasião, em visita à minha humilde residência, diga-se de passagem, me sinto grato e honrado, de coração, quando a recebo aqui. Refiro a família que hoje mora em Montes Claros. Como estava dizendo, numa dessas visitas, meu mano me disse que um dos nossos amigos de infância dizia que o bem-ti-vi é um bicho “dedo duro”, pois revelou aos seus perseguidores onde Jesus se encontrava. “Ai ai, sô!” Se por um acaso, pelo menos uma dessas histórias que supõem a maldade da ave não fosse lenda, o Percivaldo seria amaldiçoado e certamente perderia o mérito de receber todo esse apoio no processo de sua reabilitação. Possivelmente, condenaríamos à sua extinção desde o início, lá mesmo, na emboscada da qual foi vítima. Felizmente, a história é outra e sempre tendeu a ser interessante.

Muito bem, meus amigos, agora preciso falar do nosso passarinho. Sim, às vezes pensávamos que ele era nosso e esquecíamos que estava preso, enjaulado, apenas esperando sua recuperação. Naquela tarde de sábado, o bicho de pena se esbaldou quando recebeu visitas embaixo do pé de mangas. Essas visitas continuaram no decorrer dos dias seguintes. Seus amigos vinham pela manhã ou à tarde e pousavam na gaiola, até mesmo quando ela estava pendurada na madeira do telhado da varanda. Todos ficavam bem à vontade. Acreditem, quando o doutor Coelho soltava o rabicó no chão da varanda para fisioterapia, a turma da michorna invadia a área. Foram dias de confraternização, porém o Percivaldo ainda não conseguia voar, apenas saltitava, pois as penas do rabo nem sequer renasciam e as das asas ainda continham resquícios de cola da tal armadilha. Em determinadas visitas ao “pouca pena”, vinha apenas um bem-ti-vi. Ele agarrado com os pés na gaiola, trocava bicadas com Percivaldo estático no poleiro número dois. Estranho! O quê estava acontecendo? O bem-ti-vi e o Percivaldo tentavam se acasalar? Então, seriam um casal? Já vimos que a espécie se reproduz entre os meses de setembro e dezembro. Mas, qual seria a fêmea? Na minha opinião, se é que importa, Percivaldo sempre foi macho. As novidades do bicho de pena, que pena, não foram muitas durante dias. Lembro que a tarefa de limpar a gaiola e reabastecer os potes foi realizada por mim, pelos menos quatro vezes na semana e em uma delas pela manhã, quase comprometeu o horário da minha saída para o trabalho. Ainda consigo lembrar que o Percivaldo não estava comendo como antes. Apesar das visitas, que talvez poderiam subtrair a sua ração, a vasilha sempre estava com sobras quando fazia a faxina. Mas, não maldei o fato anormal. Sempre achei que tudo que estava acontecendo era anormal ou novo. Nunca senti a necessidade de ter um pássaro aprisionado em uma gaiola. Nunca tive experiência para lidar com isso. Nunca tentei sequer tocar no Percivaldo, quem dirá acariciá-lo? Temia um efeito contrário, ou seja, estressá-lo. Como já havia dito, ele teve que gritar comigo para que eu me atentasse com a sua água e a sua comida, antes mesmo de iniciar meus afazeres reservados para os sábados de manhã. Após esse episódio fiquei mais ligado. Já ouvi pessoas que criam pássaros em cativeiro dizerem que pássaros presos em gaiola a partir da fase adulta, dificilmente conseguem sobreviver. Mas, a prisão do bichinho tinha como finalidade, apenas garantir com segurança a sua recuperação e todos estavam fazendo o possível para que ela se concretizasse. Na sexta-feira, dia vinte e oito, a temperatura esteve alta o dia todo, sempre acima dos trinta graus. A partir do final da tarde choveu e o clima esfriou. Nesta noite, o “fisioterapeuta” parecia repetir a cena daquela tarde do dia dos pais no quintal, andando pela varanda com o Percivaldo nas mãos. Preocupado, ele dizia que o bem-ti-vi estava todo encolhido no cafofo e desconfiava que o bicho sentia muito frio. Então, disse a ele que ficasse tranquilo, pois o passarinho era da natureza, ele estava protegido naquele ambiente e que apesar da escassez de penas ele suportaria o intempérie – somente houve uma mudança de temperatura no decorrer do dia. Sábado, dia vinte e nove, pela manhã, assim como observei que havia água e ração na gaiola, também percebi que o bicho de pena, que pena, ainda continuava triste e encolhido. Peguei a gaiola e a pendurei no outro canto da varanda, talvez na tentativa de animar o bem-ti-vi. Nesse momento, a visitação matinal já havia terminado. Continuei com a minha lida. No início da tarde, talvez no mesmo horário daquele domingo quando Percivaldo foi capturado, passando pela varanda, ouvi um barulho: “plaft! Ssshplash!” Era um som de batida de asas de pássaro. Foi barulho de asas, realmente. Era Percivaldo. O bicho de pena, que pena, agoniado batia as asas e agonizava. Parei e olhei para gaiola e tentei entender o que acontecia. Esperei o grito de esporro do Percivaldo para instruir minha ação. O grito não veio. Ouvia apenas a batida das asas. Então, corri em direção a gaiola, como se aquela atitude resultaria em socorro. Infelizmente foi em vão. Na gaiola, com parte do corpo dentro do pote de água, aquele do assoalho, abaixo do poleiro número um, o bicho de pena, que pena, deu seu último suspiro. Abri aquela portinha feita de vareta de bambu e, pela primeira vez, peguei o bichinho, primeiramente com uma das mãos e em seguida com as duas. Tentei não sei como reanimá-lo, mas não consegui. E continuei sem ação com o bichinho nas mãos. Já tinha certeza que eu não iria estressá-lo. Tinha certeza que ele não iria me bicar. Tive a certeza que o Percivaldo havia partido. Morreu fragilmente, igual um passarinho. Acabou o sonho do bem-ti-vi de se reabilitar e conseguir a liberdade novamente. O sonho de Percivaldo acabou. Ele não vai mais receber as visitas. Já não vai saltitar pela varanda. Não afanará a ração do cachorro. Pássaro adulto, ele não se adaptou à carceragem. Não se deu com a ração, talvez. Mas, cumpriu com a sua sina de sagaz e viveu uma história que pode ter nos deixado alguma lição. Na minha opinião, se é que importa, a história do “pouca pena”, nos deixa duas mensagens: que não devemos nos iludir com os atalhos, aparentemente fáceis, porém tortos, que cruzam nossos caminhos; e que devemos sempre valorizar tudo de bom que é nos oferecido, como por exemplo, a saúde e a liberdade.

Sílvio Assunção
Enviado por Sílvio Assunção em 17/02/2019
Reeditado em 24/02/2019
Código do texto: T6577633
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