CAÇA SUBMARINA EM SÃO VICENTE, ANOS 60

CAÇA SUBMARINA EM SÃO VICENTE, ANOS 60

Sempre tive uma forte ligação com o mar e com atividades aquáticas em geral. Em minha primeira infância a maior alegria era ir à Prainha dos Oficiais, no Forte Itaipú. Aos sábados e domingos era sagrado, meus pais e meus irmãos, íamos todos à Prainha e nessas ocasiões eu só saia depois de minha mãe me tirar a força da água. Eu era um garotinho atrevido e lembro de ter passado vários perrengues, quase me afogando. Mas nada me tirou o fascínio que o mar e a água exercem sobre mim. É uma coisa mágica. Mudamos para Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. No quartel do meu pai haviam inaugurado uma maravilha: uma piscina! Foi aí que dei minhas primeiras braçadas. Comecei saltando nos cantos, indo de uma borda à seguinte, coisa de um metro de distância, e fui aprendendo sozinho dando uma ou duas braçadas e, logo estava nadando coisa de cinco ou seis metros. A piazada (molecada, em gaúches) escapava e ia a um rio que passa próximo da cidade e lá saltávamos de uma árvore na água. Anos depois voltamos a São Vicente e aquela atração pelo mar renovou-se. Praticava-se caça submarina no trecho compreendido entre o monumento ao quarto centenário e a Ponte Pênsil. Em pouco tempo, meu irmão Henrique enturmou-se com o pessoal e começou a praticar esse esporte e eu ficava torcendo para ele caçar um grande peixe. Tinha muita caratinga ou carapeba branca, robalo, sargo de beiço, sargo de dente, peixe galo, parú, uma ou outra garoupa, bagre, sororoca, etc. Ouvia-se falar de imensos meros e muita gente dizia que viu cação (tubarões pequenos, segundo a Superinteressante a diferença é que cação é o que a gente come e tubarão é o que come a gente) e como tudo do mar, haviam muitas estórias. Lembro de muitos amigos daquela época. Os irmãos Deo (Deuclides) e Jorge moravam na rua XV de Novembro e tinham uma oficina que fabricavam arpões acionados por tiras de borracha, depois aprimorados com tripas de mico (finos tubos de borracha usados para aplicar injeção na veia). Adilson, Saci, Suly Saboia e seu irmão, Carlinhos e Maurilio Valle, Neneto, Barreto, Bayard Umbuzeiro, Eliseu Andrade, David e outros, muitos outros. Bayard, Eliseu, David e Barreto se tornaram grandes mergulhadores e participaram com destaques de vários campeonatos paulistas e brasileiros. Enfim, a pesca submarina em São Vicente marcou época e formou bons atletas. Minha turma, todos mais novos que a maioria citada, era uma espécie de baixo clero, a gente ficava ali observando e torcendo para alguém sair da água e emprestar a máscara, o snorkel e o pé de pato. E foi assim que descobrimos uma lucrativa atividade da qual até hoje me culpo: apanhar cavalos marinhos e vender. Éramos uns seis ou sete moleques e poucos haviam conseguido ter o equipamento de mergulho. Nós passávamos as tardes mergulhando, pegávamos os cavalos marinhos, que eram vendidos em uma das barracas montadas em carrocinhas, na Praça da Biquinha, dividia o dinheiro e íamos para casa. Dava para pagar o cigarro, que todos já fumavam, tomar um álcool escondido dos pais. Havia um boteco na rua Martim Afonso, atrás da Igreja Matriz, que o dono vendia bebidas para nossa turma. Lá que eu descobri uma marca de vinho maravilhosa: Sangue de Boi. A gente sentava em uma mesa escondida e tomava algumas garrafas. Haviam umas “travessuras” que hoje seriam impraticáveis sem tomar um tiro da polícia: saltar da Ponte Pênsil, “inspecionar” uns cercados que os pescadores cravavam na maré como armadilha de peixe, e outra pequenas transgressões. Passou-se então a usar armas a gás, que a gente chamava de Coca-Cola, por usar um extintor pequeno de CO2 para impulsionar o arpão. Era a mesma coisa que dar um tiro dentro d´água, o peixe não tinha chance de escapar. Tanto que esse tipo de arpão foi proibido de ser usado em competições. Quando meu irmão ingressou na Petrobrás, comprou uma Vespa (uma marca de “scooter” da época) e nas suas folgas íamos em uma turma mergulhar em diversos lugares de nossa região: Perequê, Boracéia, Bertioga, Costão das Tartarugas, etc. Eu gostava muito quando a turma alugava uma catraia na Ponte do Práticos e ia pescar na Ilha das Palmas, Saco do Major, Ponta Grossa, Praia do Góis, etc. Normalmente a catraia levava até determinado local e ia buscar à tarde. Comprávamos pão, mortadela, refrigerantes e passávamos o dia. Eram vários colegas de trabalho: Ildo, Panchorra, Stefano Stefanovitch, Tanaka (hoje Tanah Correia, diretor de teatro). Uma turma animada e muito legal. Eu era o mascote e sempre fui bem tratado por todos. Cada uma tinha uma história de vida, mas sempre lembro do Stefano. Polonês, no primeiro salto de paraquedas foi feito prisioneiro. Fugiu e chegou a Paris. Foi “maquis” (integrante da Resistência Francesa) na Segunda Guerra Mundial e contava histórias que só vemos em filmes: explodiu um comboio ferroviário, o portão do Quartel General dos Alemães e outras missões. Eu adoro escutar experiências das pessoas e me deleitava com os casos dele. O Zequinha (José do Carmo Neves, grande e saudoso técnico de natação), promoveu um mês treinamento intenso (um tipo de “workshop”) na piscina do C. R. Tumiarú, no Japuí, em julho de 1960. Foi a oportunidade na qual resolvi ser nadador.

Paulo Miorim 21/02/2019.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 21/02/2019
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