Casamento na roça

Na década de 1940, na região de Rio Manso/MG, havia muitas fazendas com criação de gado. Propriedades promissoras, pastagens exuberantes, exibiam um belo gado leiteiro. Os fazendeiros abastados mantinham um bom relacionamento com a vizinhança, compartilhavam animais de criação, mantimentos, numa barganha de confiança.

Os casamentos entre os filhos e as filhas destes fazendeiros aconteciam comumente. O namoro não era longo, pois isso não fazia parte dos costumes da época. Os pais, geralmente, faziam muito gosto e caprichavam nas festas com grandes comemorações. Assim que a data fosse decidida, o pai da noiva ia pessoalmente à casa dos parentes, dos fazendeiros vizinhos e amigos para convidá-los, deixando claro que seria uma honra recebê-los em sua fazenda para o casamento da filha.

E foi assim que, um dia, o Seu Josafá, comerciante bem conceituado daquela região, recebeu a visita de um rico fazendeiro, convidando-o para o casamento de sua única filha.

Seu Josafá comunicou logo à sua esposa, Celina, o honroso convite para o casório que se realizaria em menos de um mês. Seria bom preparar a roupa do filho primogênito, Miguel, e também providenciar o presente ideal para quem estava começando a vida a dois.

Miguel, com seus sete anos, recebeu com muita alegria e expectativa a notícia. Pela primeira vez participaria de uma festa de casamento.

E chegou o tão esperado dia. Seu Josafá, com Miguel na garupa do cavalo, seguiu em direção à Capela, onde se daria a cerimônia. O Juiz de Paz fez-se presente para o casamento civil.

Para a celebração religiosa chegou o Padre Antônio, oriundo de Brumadinho, uma pequena cidade às margens do Rio Paraopeba, de onde viajou num cavalo Alazão, tradicional marchador de rara beleza, de crina e rabo muito bem aparados.

A capela foi ricamente adornada com muitas flores e velas. E o noivo já no altar na postura de espera.

Braços dados adentram pai e filha, com passadas cadenciadas, ao som da Ave Maria. Ela segurava um mimoso e perfumado buquê de flores de sabugueiro, circundadas com delicados ramos de aspargo samambaia.

Diante do padre, pronunciaram as palavras próprias, confirmaram as promessas constantes do ritual com a voz embargada pela emoção. A surpresa geral foi na hora do “sim”. O pai da noiva preparou um verdadeiro show de fogos! Naquele imenso foguetório, demonstrou toda sua euforia pelo enlace da filha com aquele rapaz. Sabia que ambos formariam uma excelente família.

Para registrar o momento, o fotógrafo bateu duas chapas: uma com os nubentes junto ao altar e outra com os familiares.

Ao final da missa, por uma estrada poeirenta, ao longo de duas léguas, organizou-se um grande desfile em belos cavalos, mulas, jumentos e muitos pandarecos também.

A partir da porteira de entrada da fazenda até a sede, num percurso de aproximadamente setecentos metros, foi montada uma decoração com bambu verde formando arcos enfeitados com biscoitos de polvilho tipo papa-ovo, macios e deliciosos, dependurados com cordinha vegetal de embira e assim os convidados pegavam aquelas guloseimas, saboreando-as antes mesmo de descer do animal. Grandes balaios feitos de bambu rachado, estrategicamente colocados debaixo de árvores frondosas, com grande fartura de quitandas caseiras, assadas em forno de lenha sobre folhas de bananeira com cheirinho de fome. O pequeno Miguel achou tudo uma gostosura. Os adultos elogiavam a boa cachaça que serviram antes do almoço. E todos se esbaldavam no frango com quiabo, arroz limpo no pilão, angu de milho verde, feijão de corda, uma apimentada farofa de miúdos. Carnes bovinas eram assadas no rolete. Com esse farturento cardápio se perguntavam: por que não fizeram jejum de pelo menos três dias antes da festa?

E, à noite, rolou solto o pagode: sanfoneiro, violeiro e muita música sertaneja.

Apesar da pouca idade, Miguel guardou a lembrança de todo o casório e das latas de doces de laranja da terra, de figo, de raiz de mamão, de leite, de goiaba... Lembranças de cheiros, cores, gostos... Do dia virar noite, cheinha de gente alegre.

De volta ao lar, Miguel não se cansou de contar à mãe Celina, por tempos a fio, cada imagem, cada detalhe daquele típico e original casamento na roça.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 21/02/2019
Reeditado em 10/03/2019
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