O IMORRÍVEL

Antonio Rigoletto era um sujeito magrelão, tranquilo e sem vícios. Segundo os colegas, seu único defeito era torcer pelo Picalense. As piadas vinham rápido, mas ele sempre ria, levando tudo na brincadeira. O que curtia mesmo era sair com a galera e tomar umas brejas no happy hour, em um barzinho próximo do trabalho.

Gracileide, sua namorada e funcionária da mesma empresa, sempre estava por perto. Ele curtia muito a garota, desde que não falasse em casamento.

Naquela noite, saíram do barzinho para um motel. Ficaram por lá até tarde e pouco antes da saída Rigoletto parou diante do espelho, olhou para a namorada, arregalou os olhos, e lívido… desmoronou. Gracileide apavorada gritou. Mas nada pôde fazer. Rigoletto bateu com as botas. Seu corpo foi levado para um Pronto Socorro local onde permaneceu, e após a confirmação da morte, levado para o necrotério da unidade. A notícia correu rápido; amigos e familiares ficaram desolados e sem entender a “vazada” súbita.

Duas horas depois, um funcionário do necrotério preenchia uns papéis numa mesa lateral quando ouviu o ruído de uma tosse. Olhou em volta, coçou a cabeça e pensou, deve ter sido algum passante, acho que preciso sim é de umas boas férias!

Havia se passado meia hora quando uma voz o interrompeu:

— Ei, amigo, onde é o banheiro?

Ao levantar a cabeça para responder, deparou-se com Rigoletto em pé, diante dele, com a face pálida e os olhos fundos.

— DESCONJURO!!! E como uma flecha, disparou pelos corredores do hospital. Rigoletto, assustado e meio confuso, foi ao banheiro. Quando saiu deparou-se com três guardas trêmulos, com os olhos esbugalhados olhando para ele e tentando entender o que se passava ali.

— Relaxem! Estou bem, só estava tirando água do joelho, kkk. — Passado o susto, o ex-finado foi levado para uma sala, onde exames concluíram que ele estava bem vivinho e que tudo não passou de um grande susto.

Aliviados, Gracileide, familiares e amigos levaram o rapaz para casa, onde pode, hã… descansar em paz… do susto. Doravante, deu matéria de capa nos jornais e nas redes sociais. Virou um fenômeno nacional. Até ganhou algum com o episódio.

O tempo passou e Antonio Rigoletto voltou ao mundo dos vivos.

Dois anos depois, foi escalado para a final do jogo de futebol entre a sua empresa e uma visitante. Ao final da competição, o time campeão levaria além do troféu, a moral e uma ótima fatia de marketing para a empresa. Teve início a partida. Quinze minutos de bola rolando, e numa dividida mais bruta com Pepeu, Rigoletto cai de mau jeito e de novo… morre.

O corpo do re-finado é levado para o mesmo hospital, onde passou pelos mesmos procedimentos. Coroas de flores pipocavam, imprensa e toda a mídia em cobertura nacional e internacional. “RIGOLETTO MORRE NOVAMENTE” dizia a manchete. E, de novo, a namorada sofre as dores da perda, que parecia ser irremediável.

O velório marcado, choradeira, fila para visitar o re-finado... o maior chororó. E eis que no momento em que o corpo era preparado pelos funcionários… ressurge vivo o Rigoletto. A mídia registra o fenômeno, a família fica feliz e tudo volta ao normal... novamente.

Nos anos seguintes, cria-se um processo de banalização em torno de Rigoletto. O sujeito morreu meia dúzia de vezes e ninguém mais noticiava o fato com tanta ênfase. Ganhara sim a pecha de IMORRÍVEL, a reedição de Matusalém. Todavia, nenhum cientista elucidou o fenômeno e pronto, a fila de ressuscitações seguia pujante.

Numa briga feia, mandou à favas Gracileide. Quis mudar... de vida... e entrou para a política, fundando o P.I. – PARTIDO IMORRÍVEL. Como é típico no Brasil envolveu-se em corrupção. Foi desmascarado e condenado a 350 anos. A lei que limitava a prisão de um condenado a 30 anos caíra e Rigoletto seguiu preso por anos a fio. Já cumprira 250 anos e pedia agora a redução da pena, por bom comportamento e pelo número de livros que lia. E dá-lhe livros! Enfim… coisa das vidas.