Um lugar Cinza

Para entrar lá é preciso descer e você desce porque é preciso. Então você vai como quem desce uma masmorra e assim que chega não pode mais subir. Fecham-se as portas pesadas e o ar vai ficando rarefeito.Não possui janelas. Sufoco. Não circula o ar, tampouco a vida. Alguns respiram melhor que outros, mas ninguém respira de verdade. O problema, é que além de descer a masmorra é preciso diminuir. Então você diminui porque é preciso e vai ficando cada vez menor. Menor para caber. Caber nas roupas, nos sapatos, nas cadeiras. É preciso dobrar os dedos dos pés o máximo possível para entrar nos sapatos. As roupas mais parecem armaduras, duras, pesadas e apertadas. As cadeiras não possuem acentos e são de ferro maciço. Mas principalmente é preciso caber nas salas, pois são tão pequenas que você não pode se mexer apenas se move o necessário, pois não pode parar. Parar é proibido. Motivo de censura, passível de tortura, pois é preciso produzir. Produzir e diminuir cada vez mais enquanto a masmorra vai ficando cada vez mais profunda e falta ainda mais o ar. Lá tudo é cinza, as paredes e as pessoas. A única diferença entre as paredes e as pessoas é que as pessoas possuem um sorriso amarelo grampeado no rosto, pois é preciso produzir e sorrir. As pessoas são estranhas, além de miúdas, são quadradas. Couberam muito bem nas roupas feitas de armadura e nas cadeiras feitas de ferro. Alguns ainda se remoem um pouco lá dentro,mas logo desistem resignados, pois a masmorra fica muito longe da superfície e não seriam capazes de subir, tampouco crescer para o tamanho que eram anteriormente. Eu não sei o que acontece lá dentro, porque tudo é assim. Para mim não faz sentido, mas parece que para muitos deles faz. Eu tentei me encaixar, dobrei os dedos dos pés o máximo que eu pude, mas os sapatos não couberam. Pus a armadura e tentei vestir ela por dias, mas o calor lá dentro era insuportável então resisti. As cadeiras me machucavam dia após dia e eu não conseguia produzir como era necessário. Fui torturada por vezes incessantes, mas eu não era capaz de ser como eles exigiam. Pouco a pouco fui perdendo a cor e ficando cinza. Apesar de me esforçar o máximo que eu podia, eu simplesmente não conseguia ficar no tamanho correto, não conseguia me encaixar. Me cortaram as pontas, mas mesmo assim não fiquei quadrada. Me colocaram em máquinas e me esmagaram. Me apertaram o máximo que podiam, com o grampeador puseram um sorriso em meu rosto e eu fui ficando cada vez mais cinza. Mas ainda assim não me encaixava, não cabia nos sapatos, nas roupas e, tampouco, nas salas. Então não produzia como era preciso. Havia um relógio frente a entrada principal, ele marcava o quanto cada pessoa devia produzir por segundo, então elas não paravam jamais. Como eu não cabia em nenhum dos lugares em que me colocavam, eu parei de tentar servir. Em uma das vezes em que me levavam para máquina de esmagar eu fugi e quebrei o relógio. Assim, o tempo não marcaria mais o quanto as pessoas precisavam trabalhar e elas poderiam fugir. Quando o fiz, todos olharam espantados. Tentaram me pegar, mas eu fugi. Corri como nunca. Como estava muito tempo sem respirar conforme fui subindo a masmorra e sentindo o ar, fui ficando mais forte, corria então muito mais rápido. Meu tamanho foi voltando ao normal e meu corpo foi curando das cicatrizes. Quando, finalmente, cheguei a superfície eu respirei. Puxei o ar da forma mais prazerosa possível e quando ele entrou em meus pulmões eu fiquei colorida. Tinha muito mais cor em mim do que havia antes. Eu me tornei enorme. Depois disso decidi que nunca mais diminuiria e não tentaria mais caber nas salas, roupas e tarefas. Sinto pelas pessoas cinzas daquele lugar cinza, mas, pelo que soube, mesmo depois que eu quebrei o relógio elas continuaram a produzir. Estavam tão habituadas que não compreenderam a liberdade e continuaram lá tão cinzas quanto às paredes.

Roberta Piedras ( minha filha)

Roberta Piedras
Enviado por Marisa Piedras em 24/02/2019
Reeditado em 08/02/2022
Código do texto: T6583189
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