O Escritor

Conheceu-o na redação do jornal. Chegara para anunciar um evento, solicitando uma nota, aconteceria por aqueles dias. Trajava um paletó escuro, gasto, a barba rala, esbranquiçada, irregular. Era gordo: o abdômen avantajado emprestava-lhe um ar de comerciante próspero, de funcionário bem assentado.

Não era nada disso: apresentou-se como escritor.

Ocupou com intimidade o sofá da redação. E falava, com ar doutoral: gesticulava, os dedos grossos, curtos, realçando os aspectos mais importantes do discurso. Às vezes recorria a uma pasta de couro – havia uma pasta de couro surrado – e, de lá, extraía folhas de ofício plastificadas. Conteúdo raro: convocatórias, panfletos, notas, cartas, memórias de eventos anteriores.

Sim, haveria um evento: congresso de escritores, ou coisa parecida.

Os documentos serviam para realçar sua autoridade: depositário das preciosidades de escritores de ontem. Gente célebre. Mas, ali, a importância estava nele. Não era pouca coisa: estava em vias de ressuscitar um Congresso de Escritores. Vá lá que fosse seção local, agrupando magote mesquinho de escrevinhadores da província, amadores que cultivavam as musas, gente que abandonava suas ocupações profanas – comerciantes, advogados, funcionários públicos – para se dedicar à arte da escrita.

O repórter que o ouvia continha o riso a custo. Depois confessou:

- Engraçado. Ele remexendo aquela papelada velha, fotocopiada, como se fosse preciosidade...

O Escritor circulava. Era assíduo na Academia de Letras, aonde cavou vaga à força, literalmente recorrendo aos cotovelos. Naqueles saraus bisonhos exalava importância, empunhando o copo com o drinque como se fosse um cutelo. Também se acotovelava para chegar ao prefeito naquelas solenidades interioranas.

- Nossa máxima autoridade local – exultava.

Quando a circunstância exigia, aparecia com um paletó mais bem cuidado, sem manchas, pouco gasto. Mas seguia recorrendo àqueles cotovelos fartos para firmar-se junto às autoridades, àquela gente que exalava poder, que poderia abrir-lhe caminhos, quem sabe financiar um dos livros que emperrara, engavetado por falta de patrocinador.

Um dia encontrou o repórter que o examinara com atenção antropológica quando enveredou pela redação para anunciar o congresso mesquinho. Abordou-o:

- Faremos o Congresso Brasileiro dos Escritores!!! – Anunciou, voltando-se para a rodinha à qual se integrara. Havia ali uma dama, que bem valia o galanteio.

O repórter quis saber detalhes. Ele desdenhou: que o procurasse depois. Daria detalhes. Mas não ali, quando se empenhava para conquistar a atenção daquela desconhecida. E cortou conversa, com ar solene, de superioridade.

Seriam assim, pedantes, todos os escritores? Se perguntou o repórter, ele próprio com suas inclinações literárias. Retraiu-se, esmagado.

Foi desencanando aos poucos. E depois descobriu que aquele pertencia à ampla gama dos picaretas que orbitam em volta da literatura. Sim, pululavam os picaretas na literatura também.

Mas isso ele só descobriu depois, quando os fios do próprio cavanhaque começaram a embranquecer.