O que tem na sua gaveta?

Na casa da minha mãe, eu tinha uma gaveta cheia de coisas que quase nunca usava mas também não tinha coragem de jogar fora, porque achava que um dia seriam úteis. O engraçado é que no meio tinha sim uma coisa ou outra que eu precisava muito, por isso mesmo todos os dias eu abria a gaveta, revirava fazendo um barulho igual o que se faz quando a gente procura um prego no fundo da caixa de ferramentas. E a propósito, na gaveta eu tinha alguns pregos também. Sabe como é né? Às vezes uma garota pode precisar de alguns pregos e velas ou fósforos, que eu usava pra acender os cigarros quando não encontrava de jeito nenhum o isqueiro que inclusive eu jurava que também estava na gaveta. Não estava. Agora parece que o mistério foi solucionado não é? - Tá explicado porque ela abria a gaveta todos os dias. Fumantes compulsivos e descuidados com seus isqueiros ou fósforos.

Não. E mesmo sendo sobre um tempo depois, eu gostaria de deixar registrado também que eu não fumo mais, em maio já se completa um ano. Eu não sei em que mês você está lendo isso, mesmo assim, está dito.

Lembrei de uma luva que eu usava quando andava de moto e uns papéis com trechos do que na época seria o meu livro, mas eu nunca fui boa em guardar meus próprios segredos, quer dizer, você sabe como é, “vivendo cada segundo como o último!” ou algo do tipo. Aí eu sempre acabava trocando uns pronomes, acrescentando adjetivos e tornando toda a coisa mais pessoal do que deveria ser, só pra me sentir um pouco mais perto, um pouco mais real e fazendo parte dessa história que eu venho contando a alguns anos.

Trouxe o máximo de coisas que consegui dentro da mala, mas só hoje eu parei pra pensar, que aquele dia foi o único em muito tempo, que eu não abri a gaveta. Não trouxe nada de lá, todas as coisas importantes e as que eu não sabia de cor mas que ressoava mentalmente um “aaaah tá, você tá aí” quando encontrava lá por acaso. Nada mesmo! Ficou tudo lá, na gaveta.

Eu acho que ninguém mais abre ela hoje em dia. De tanto esquecer coisas ali dentro, devo ter perdido a vontade de abrir algo que no fundo eu sempre soube que não guardava nada do que eu procurava. O mundo me esperava fora de casa.

Ana Karolina
Enviado por Ana Karolina em 11/03/2019
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