Delírios, devaneios (ou vice-versa)

Em uma bela manhã de domingo, em pleno mês de maio de 2014, com hora marcada aconteceu no bairro de Vista Alegre, aqui na Cidade do Rio de Janeiro, uma demonstração firme e inquestionável do poder do homem sobre a matéria.

Naquela manhã, o relógio marcava exatamente sete horas quando, com um ensurdecedor estrondo, seguido de uma densa nuvem branca de puro pó que, como um imenso edredom, envolveu e levou ao chão aquele gigante de cimento, ferro e concreto, conhecido como ‘Cimento Branco’, que durante décadas, e até então, era um dos mais marcantes pontos de referência daquele bairro.

A tecnologia, foi aplicada ali com tamanha maestria, que sem dúvida nenhuma foi a principal responsável pelo sucesso daquela empreitada, que em poucos segundos, diante dos olhos esbugalhados daquela platéia que, no fundo, no fundo, torcia -e esperava- que algo de inesperado pudesse acontecer; colocou no chão aquele gigante de concreto e aço. Aquela densa cortina de pó que se formou logo após a implosão, parecia querer atrair em torno de si todos os olhares, talvez querendo fazer com que todos esquecessem o reconhecimento devido pela importância, que durante muitas décadas aquela fábrica teve para aquela localidade, onde se tornou um importante ponto de referência.

E quando a poeira baixou, naquele espaço onde, até então, aquele gigante reinava absoluto, restou apenas um imenso vazio; nada mais de concreto -literalmente falando- existia...

Jazia ali, inerte, como um imenso cadáver, uma imensa montanha de escombros e ferro retorcido, que em nada lembrava aquela imponente figura da Fábrica de Cimento Branco, que até há poucos instantes atrás fazia parte daquela imagem gravada na mente de tantas e tantas pessoas; antigos moradores, que durante muitos anos estavam habituados a um amistoso convivio com ela.

O velho gigante se foi, "Resquiescat In Pace"!...

Certamente um novo gigante, bem mais moderno e imponente, será erguido em seu lugar... E assim a história do bairro será reescrita.

Mas enquanto isto não acontece; a noite vai cair, vem a escuridão, mudam as estações do ano... E aí está a realidade!

A realidade é esta onde, em seu leito, depois de um sofrido dia de labuta, o homem sonha; sonha um 'sonho sonhado', que é um sonho que já se foi, e como tal sequer merece ser lembrado.

A realidade é esta que, na madrugada, perturbando o sono, e o sonho, do trabalhador; um cão vadio ladra, enquanto vaga tranquilamente pelas calçadas esburacadas do nosso bairro... Ô perturbação!

A realidade é esta onde o homem, ao acordar, literalmente 'cai na real' e constata que a realidade é palpável; é 'concreta', não é um sonho...

A realidade é esta onde as buzinas estridentes dos automóveis nas manhãs preguiçosas, acordam as corujas e os gaviões urbanos, enquanto que, sonolentas, as esposas estão diante dos fogões preparando o café da manhã. Naquele mesmo instante no litoral, um vento quente sopra a sudoeste, e as ondas passam naquele vai-e-vem interminável, convidando àqueles que podem contemplar a aurora daquele angulo, a desfrutar do doce sabor do ócio...

Na verdade, o despertar da realidade se dá com o nascer de um novo dia, com o burburinho dos trabalhadores que se acotovelam nos apertos das suas conduções, em busca do pão de cada dia...

E mesmo naqueles aparentes calmos e tranquilos campos verdejantes do interior; logo assim que amanhece, quando os primeiros raios de luz parecem tocar o céu, iluminando toda aquela paisagem bucólica, prenúncio de uma chuva fina que está por cair, desenhando na natureza um amanhecer de ouro, que é um sinal de fertilidade; recompensa para o trabalho árduo do humilde agricultor... Lá está a realidade... A realidade é o hoje; Enquanto que o amanhã é apenas um sonho!

E pensar que todo este cenário se descortina em minha mente nesta sonolenta e preguiçosa tarde de segunda-feira, onde eu perco -ou será que ganho - meu tempo ocioso, diante de um teclado de computador, tentando traduzir em palavras, esses devaneios preguiçosos. Ou será que não se tratam de devaneios, mas sim de sóbrios delírios de quem não tem mais nada de útil a fazer?... Sei lá!

E pensando bem; O que seriam 'sóbrios delírios'? Ou melhor; desde quando delírios podem ser sóbrios???

Compulsóriamente, termino aqui minhas reflexões, ou divagações, como queiram; isto porque a Telma -minha querida esposa- não achou nada legal o meu propósito de divagar ainda um pouco mais, já que lhe falei que estava buscando lá nos confins da minha mente, inspiração para encontrar as palavras certas que pudessem refletir e definir os sentimentos latentes sobre o sublime desfalecer do dia nas asas de uma noite promissora. Ela praticamente jogou um 'balde de água fria', me chamando à realidade quando disse disse: "-Aí também já é delirar demais, meu caro!..." Sabiamente, concordei com ela!

Mas, afinal, o que tem a ver tudo isso: Divagações sobre a realidade e estes breves 'lampejos filosóficos', com a implosão da fábrica de cimento?

Não tem nada a ver! Absolutamente nada... Afinal de contas, devemos convir que são apenas simples devaneios; ou delírios, como queiram!

E.R.Calabar