Medos

Quando eu fiz 7 anos,tinha medo de escuro. Não dormia, por ter medo de um ser que se escondia na escuridão. Um ser que amedrontava os meus sonhos, fazendo com que eu chorasse. Um ser que eu desconhecia completamente.

Aos 9, meu medo era as pessoas. Medo de não ninguém se sentir bem ao meu lado, por eu ser ‘estranha’. Por eu ser da minha maneira. Por eu ser eu. Não conversava, apenas com a minha própria mente. Durante os intervalos escolares, permanecia num canto. Aonde eu via as outras crianças brincarem. De bonecas, carros, brincadeiras... Coisas desse tipo! Num dia especifico, eu usava roupas mais brancas que o meu normal. Usava lindas Marias-chiquinhas, e observava as crianças brincarem a minha frente. Até a visão de uma das crianças, terem a sua atenção sob mim. Encarando os meus olhos, tentando entender. Entender o que? Entender a minha solidão? Ou os meus defeitos? Qualidades? Eu não sabia, o que se passava na cabeça da garota de cachos negros, com lábios escuros, e olhos idem. Pele de cor de chocolate. Para mim, ela era o significado de anjo. A menina, não disse nenhuma palavra, apenas sorriu docemente. Aquilo me tocou. Me deixou encabulada, e envergonhada. Era tímida. E depois disso, nunca mais vi a menina dos cachos negros.

Aos 13, tinha medo de me apaixonar, depois que meu coração foi quebrado. O meu amado, havia me trocado. Me deixado. Por uma garota mais atraente que eu. Entendia o seu lado, naquela época. Ainda era estranha, usava roupas largas, para esconder minhas curvas. Andava de cabelo preso, a fim de que os meus cabelos dourados, não me atrapalhassem. Calças largas e também tênis all-star. Usava óculos de grau, e havia várias espinhas e cicatrizes pelo meu corpo,por cair bastante. Andava pela escola do ensino fundamental, cabisbaixa. Estava arrasada por ter sido trocada. Olhos inchados e vermelhos, de tantas lágrimas que havia soltado a alguns poucos instantes no banheiro. A voz rouca, de tanto gritar. Quem visse, pensaria que estava louca. E estava. Até passar ao lado de um rapaz de pele parda. Com cachos castanhos, e um sorriso um pouco quadrado. Os olhos dele eram escuros, e eu havia encarado o abismo profundo. Ele era mais alto, e mais forte. Eu era pequena e fraca. Assim, que bati em seu ombro, havia me virado para me desculpar. O rapaz, havia segurado os meus ombros, e sorriu para mim. Passando a mão em meu rosto. O coração a mil, e havia me perdido novamente em seu olhar de abismo. Sorri tímida. Havia me encantado com o sorriso simples do garoto. O mesmo parecia ter sentido a mesma coisa por mim.

- Estas bem? – Me perguntou.

- Sim. – Menti. Não queria preocupar o rapaz.

- Sei quando mentem. – Ele dizia, sorrindo. – Me conte, não irei julga-la. Deixe-me ajuda-la.

Sorri em resposta. O sorriso do rapaz, havia me deixando alegre. Havia-me esquecido do motivo do choro, o motivo de quase ter desmaiado, a alguns minutos atrás.

Aos 15, meu maior medo, era o meu pai. Meu pai que havia abandonado minha mãe, para fugir com uma moça rapariga, quando pequena. Ao passar do tempo, quando me perguntavam sobre ele, eu simplesmente respondia: "Não tenho, ele morreu". Sempre era essa a resposta, e ninguém perguntava mais sobre o assunto. Pois pensava que me incomodava. Não me incomodava o fato de ele ter morrido para mim. O que não aceitava era o fato de ele não querer saber sobre a sua quarta filha, a caçula. Mas com o passar do tempo, o incomodo passou. Não sentia falta dele. Não me preocupava. Até aquele dia.

- Com licença. – Me virei para trás, para olhar um senhor de 45 anos. Olhei nos seus olhos, tentando reconhecer. – Você é filha de Melinda?

- Minha mãe. Por que? – Perguntei desconfiada. Estava esperando o meu ônibus para ir para casa, fazia mais de 20 minutos que estava ali. – Quem é o senhor?

Os olhos do senhor, se arregalaram. E um sorriso e olhos marejados surgiram. Não entendia nada sobre aquele momento. Pensei em vários motivos. Mas nenhum parecia ao certo. Até ele retirar do bolso, uma foto de família. Em que no sofá estava um moço e uma garotinha de Maria-chiquinha. Com roupas brancas.

- Você se reconhece? – Perguntou o senhor.

- Sou eu quando menor. – Respondi.

- Esse rapaz, sou eu. – Ele completou.

Dessa vez, havia arregalado os olhos. Estava em choque. Havia me encontrado com o homem que havia feito minha mãe sofrer. Havia encontrado o homem que fugiu com uma rapariga. O meu medo em relação a ele, se tornou ódio. Fiquei vermelha de raiva. Num rápido gesto, havia pego a foto e a rasgado. Estava com ódio, mas com medo do que ele faria. Havia visto o meu ônibus se aproximar. Após ter feito um sinal para que ele parasse, e aberto a porta. Entrei. E sentei-me na janela. Quando o ônibus começou a se mover, não segurando mais o choro. Chorei. Chorei muito. Estava sozinha. Por isso chorei mais.

Perto dos 17, o meu medo é não conseguir entrar numa faculdade, ou não conseguir morar sozinha. Não conseguir me sustentar. Pois sou dependente de minha mãe, e do meu parceiro de cabelos cacheados. Tenho medo, de ir para outra cidade. Mas ao mesmo tempo sou ansiosa para ir. Quero voar, quero me sentir livre.

Aos vinte anos, qual será o meu medo? Talvez será o desemprego, talvez será o meu casamento, será ter filhos. Mas talvez isso que eu tenha sentido o tempo todo, não deve ser só medo. Deve estar misturado vários outros sentimentos. Como amor, tristeza, felicidade, raiva.

Por isso agradeço por ter medo. Por isso agradeço por me sentir dessa maneira. O medo me ensinou beleza. O medo me ensinou amizade. O medo me ensinou gentileza. O medo me ensinou o ódio. E o medo me ensinou a ter auto confiança. Por isso o agradeço, eternamente.

Izabela Beneli Tristão
Enviado por Izabela Beneli Tristão em 23/03/2019
Reeditado em 25/03/2019
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