Carta de família

Primeiramente: te agradeço por tudo,

Tu não tens obrigação aqui, se te peço é porque existe o sim e o não, além do mais, nossa relação não precisa destes agrados para ser verdadeira.

Pedir ajuda é sempre mais difícil do que ajudar, agradecer uma ajuda é ir para frente, nos tornar melhor, incorporar o que nos fizeram num bem de nós mesmos e depois doá-lo.

O estrogonofe é só esquentar, está na panela, não deixe ferver, desculpa, não fiz arroz, só tinha integral, tem batata palha, couve e salsa crua cortada e lavada em cima das laranjas, tem cenoura é só ralar, ao dar comida para Sofy, coloca uma banana, amassa com garfo, uma mão cheia tua e mais um pouco de ração, troca a água e lembra de tentar fazê-la ir ao banheiro, vá para lá e chame, ela vai sair louca para isso, se precisar pano no varal. O Gol esquece, só água, tome cuidado com a raiva, tome cuidado consigo, carinho com a gente mesmo é sabedoria, esmerar é se tornar talentoso e ser feliz é mais trabalhoso do que não ser. Se quiser, vem depois do inglês para cá, te levo onde quiser, tome cuidado com a chave, trancar tudo que precisa ser trancado e o gás, seu tio precisa muito de ti, o I ching na geladeira, a coca tenta deixar para mim se der, tem coisa para espremer sucos, tão na pia lavados, papel não tem, esqueci, perdão, se o Danilo vier, faz a pizza também se precisar, de boa: presunto e queijo, requeijão e maçã.

Joguei bem, fiz gols e ninguém esquece de ti lá, eu então te vejo correndo atrás de mim, pensando na bola sorridente e traiçoeira, no goleiro esperto e no gol redentor, assim na magia plácida da palavra, eu penso no teu chute aberto, liso e feroz tocando a rede. Mas a alegria não vive sem ser alegre, e a tristeza, o medo, a dor e a solidão não são descartáveis, tudo tem que ser vivido, lágrimas, abraços, risos, palavrões, dormir sempre pode acordar a gente, querido Fran, aqui está eu escrevendo cobras e toupeiras e a assim mesmo ninguém me tira o sol, é para todos.