Hoje eu faço 22 anos, minha avó.

Vó, hoje eu faço 22 anos. Há tanto você se fora e hoje, em meio aos meus poucos familiares, fitei a cadeira vazia ao meu lado e a vi ali, sorrindo. Por um segundo, pude sentir o perfume Lulu e tive a certeza que jamais me esqueceria da senhora. A dor, com o tempo, transfigurara-se em saudade e a certeza de que vivemos algo tão bonito acalmava meu coração tão só. Recordei-me dos tantos aniversários que vivi desde que a senhora se fora e desejei poder alterar a ordem do tempo para que você estivesse presente, por ao menos um instante. Quis contar-lhe tudo, quis lhe apresentar o meu namorado.

Vó, hoje eu estive tão feliz. Estive tão feliz que a alegria já não cabia em mim e quis que você estivesse aqui, quis dividir com a senhora o sentimento tão doce que me tomara. Quis lhe contar que, hoje, eu me senti imensamente grata e, a todo tempo, desejei poder te contar. Ao meu lado, estava um rapaz que ouvia com paciência o que o Vovô dizia. Você se lembra dele, vó? Ele não mudou muito e esse rapaz o respondia com tamanho carinho que tinha a certeza que, ao meu lado, estava um presente que a vida havia preparado pra mim. Saiba que ele já te conhece bem! A todo tempo, conto-lhe nossas histórias: sobre os nossos finais de semana, sobre os vídeo games e sobre os tantos jantares que a senhora cozinhara para mim. Caso vocês se encontrassem, acho que ele já a reconheceria pelo perfume Lulu, os brincos enormes ou, quem sabe, pelos terninhos que tanto eram elegantes. Eu falava tanto sobre você que, muitas vezes, me esquecia que o tempo havia passado e acreditava tê-la visto na Rua do Ouro, no final de semana, passeando com a Sissi enquanto voltava da Crepom.

Vó, nos meus 22 anos, eu havia feito mais um amigo. Você se lembra da Lili, certo? E de como éramos amigas e, de repente, ela já era parte de nossa família. Com o ensino médio, eu fiz uma nova amiga que, confesso, parecia de outras vidas. Nossa amizade é tão bonita que, por me sentir tão privilegiada, eu acreditava que não haveriam mais amizades como aquelas pelo caminho. De repente, vó, um novo amigo entrara em minha e eu me sentia em família, assim como quando a Lili passava os finais de semana conosco. Ele me convencera a fazer uma comemoração e, não sei se por descuido ou por poesia, naquele mesmo local eu havia comemorado meus 18 anos e, minha avó, eu havia mudado tanto! Até meu semblante era diferente...

Eu crescera, vovó. E, a cada passo, meus traços aproximavam-se mais da senhora. Era inegável que o tempo havia passado mas, de maneira inexplicável, à medida que os anos chegavam, eu me sentia cada vez mais próxima de você. Eu me lembrava de tudo, minha avó, e arrisco dizer que me lembrava cada vez mais. Era como se a senhora estivesse, de alguma maneira, bem ali, ao meu lado, na cadeira que insistia em parecer vazia para o resto do mundo que me rodeava.

Nos momentos difíceis, quando o ar já não era capaz de oxigenar minha vida, eu fechava os olhos e lhe contava tudo o que se passava em meu coração. A respiração ofegante rapidamente acalmava-se e junto à calma, vinha a certeza de que estávamos conectadas por algo muito além do que nosso breve contato nessa existência.

Hoje, minha avó, eu faço 22 anos. Estou feliz. Completo três meses sem tomar remédios de dormir e comecei a fazer zumba com a mamãe. Hoje, minha avó, em meio às tantas gratidões que me enchem de vida, lembro-me da senhora e dos nosso tempo que fora eternos. Hoje, tudo que eu desejo é uma breve conversa com a senhora. Algumas horas, um último abraço. Sentir o seu perfume Lulu. Minha avó, você se assustaria com como eu lembro a senhora. Já não saberia lhe dizer o tamanho do impacto que a senhora teve em minha vida. E você vivia em mim, nos meus olhos e nas tantas memórias que guardo em meu coração.