Da janela lateral, do quarto de dormir, vejo a lua discreta. E as estrelas eufóricas para contrapor aquele cenário de escuridão momentânea. As fases da lua são uma espécie de convite para a mudança de humor.
Enquanto a insônia, minha melhor companhia das noites, insistia em atrair minha atenção para um infinito particular, uma espécie de prisão mental, tentava distraí-la mostrando a lua que estava tímida, parecia despida, com vergonha.
Minha razão laçou minhas memórias e acabou me transportando para o meio rural, numa cidadezinha de nome Desterro, no interior do interior de Minas, onde a vida passa bem devagar e o tempo parece não afetar as pessoas.
Por lá, o único meio de transporte é a carona. São carros modelos fusca em sua maioria do ano de 1968. Alguns bastante conservados. La na venda (local onde se encontra desde a agulha até o papel higiênico) o telefone é comum, quando a conta vem, rateiam aqueles que usaram para ligações. A única operadora de celular que oferece sinal (é Claro rs). São mais ou menos 4 km até lá.
Seu José, 78 anos, acorda cedo e vai tirar o leite da vaca. E depois sai distribuindo de carroça para os vizinhos que pagam por mês, mas a anotação é feita no caderninho. Daquele todo, sempre tira 20% para doar para as mães “solteiras” que cuidam de filhos sozinha.
A D. Maria acordou as 5 e já fez os biscoitos e broas, colocou nas latas e aguarda o carro da padaria. Todo dia ela faz esta entrega.
No butelo do Alves, cachaça é café da manhã. Potássio que o diga! Deus o tenha em um bom lugar. Era o primeiro a chegar, ainda as 8 e o último a sair. Na última visita acabei ajudando-o a atravessar a linha férrea. Foram mais de 20 anos naquele batente (diziam os moradores mais antigos). Morreu de cirrose.
A noite ainda tem lamparina, acabei deixando marcar o forro, colocando sobre o guarda-roupa.
E aquilo tudo parecia tão distante da realidade, tão longe: sem internet, celular com antena, terrenos distantes e casas de 2 em 2km. Tudo aquilo foi tão intenso, como podem dois “Brasis” assim habitarem o mesmo espaço?
E com essa nostalgia toda, veio também a minha inspiração poética que transcrevo abaixo como ilustração da minha saudade.

Queria ter...

Queria ter aproveitado o tempo e não só ver o mundo girar,
Talvez tenha me faltado senso de direção.
Queria ter investido naqueles que acreditava,
Talvez tenha me faltado coragem.
Queria ter gritado aos quatro cantos que tudo era possível,
Talvez não tenha acreditado o suficiente.
Queria ter aprendido a aceitar as pessoas sem ao menos exigir nada,
Talvez tenha me faltado autoconhecimento.
Queria ter visto cada um daqueles que humilharam os que me rodeavam serem escravos de suas próprias escolhas,
Talvez tenha me faltado amor para provar o inverso.
E talvez, ainda neste cenário,
me falte cobiça de vencer a individualidade e propagar para o mundo que onde se reúnem alguns, a convivência vigora.
Por que tudo isso, só depende de mim.
Aliás, Depende de nós!
Cada um que nasce.
Cada ser que chora.
Cada esperança que morre.
Cada tempo esgotado.
Cada amor repartido.
Cada sentimento embutido.
Cada versão da verdade.
Cada sonho.
Cada realidade.
Cada saudade que o tempo não leva.
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 02/04/2019
Reeditado em 02/04/2019
Código do texto: T6613440
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