Escrever é a arte de faxinar a alma, deixando-a limpa e perfumada, a ponto de exalar essências que dopam aqueles que se inspiram (leem). Por vezes, a quantidade é suficiente e completa, noutras traz uma espécie de vazio, uma procura, um desencontro, noutras ainda, provoca uma overdose. Já vi gente partir engasgado.”

Ontem, depois de postar um texto recheado de humor, recebi uma mensagem de um recantista que dizia não compreender como conseguia escrever tanto e, pior, de várias formas, dando a impressão de que não tinha um estilo próprio. De todos os comentários que recebi até hoje este foi o que mais me fez refletir (e não tem relação com autoestima, mas sim com auto reflexão): quem é você ao escrever?

Sempre soube, desde menina, que a minha curiosidade era anormal. Não ficava satisfeita com as respostas. Então tinha o hábito de frequentar a biblioteca pública para, entre livros, descobrir a veracidade das coisas. Algumas me convenciam, outras não. Algo que sempre me perturbou era o descobrimento do Brasil, como se tesouro fosse (e era), mas os navegantes já tinham passado por lá, a descoberta do já descoberto (sem cobertor) me intrigava. Até conhecer a Nilda professora de história, tinha 8 anos quando ela me disse que nem tudo que estava no livro era de verdade. Deste dia em diante, tudo era fantasia até alguém recontar mais tarde. Foi nesse intervalo entre o que se aprende na infância e o que te provam na juventude que criei um estilo próprio: o estilo não seja você o escritor, seja dele. E foi assim que já me coloquei na cadeira de D. Pedro II e queria extirpar da terra brasileira os índios; que coloquei o discurso de Jango pra secar no varal e fiquei observando as folhas voarem; que traduzi palavras de várias origens sem falar outras línguas; que saí e entrei no ventre da minha e de milhões de mães que habitam este espaço; que busquei perguntas ao invés de respostas e que entendi que a escrita me domina e não o contrário.

Se escrevo fácil? Talvez tenha em mim um monstro captador automático de realidade humana, imortalizado pela fotografia fria da natureza em festa, exuberante.

 
"A minha veia poética se rompeu e as palavras que corriam criteriosamente pelos tubos estão livres. Por isso, se encontrar palavras ao vento, gentileza compreender que qualquer semelhança entre o real e o abstrato é mera coincidência. Ah! E sobre as palavras... Amo cada uma delas quando me tomam e permitem que possa uní-las e virar poesia... Escrever é externar os sentimentos da alma
"...

Decerto não tenha uma definição exata do que me move, é instável a ideia de ver nascer seus frutos, tanto que já passei pelo Recanto há algum tempo e agora voltei.
Mas de tudo, posso afirmar mais do que uma prisão a escrita é liberdade, condicionada ou não ao humor que te persegue. É que nas palavras moram vários “eus” disfarçados ou não, mascarados ou não, ilusórios ou não.
E se ousar me perguntar por que escrevo direi:

Porque minha alma é recatada e observadora e me leva a cada humano, cada pessoa como obra prima da criação para fazer-se palavra mesmo que neles habite o silêncio. Eu sou a voz macia e aveludada de quem vê amor na eternidade, mas sou também a voz grossa e roxa de quem o mundo fez de trouxa, sem despedir. Eu sou a escrita cuspida e escarrada de quem, embora discorde, não lhe nego o direito de dizer (e desdizer, claro). Eu sou o porto, um ponto, um posto. E empresto as mãos para quem perdeu seus sentidos. Faz sentido?

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 04/04/2019
Reeditado em 04/04/2019
Código do texto: T6615064
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