ME DÊ UMA PALAVRA E TE FAÇO UM POEMA

Era assim que minha mente processava.

De uma simples palavra eu criava versos, construía sonetos, indrisos, tautogramas, aldravias, poesias, prosas e longas narrativas. E tudo surgia de forma tão simples, tão ampla tão avassaladora que levavam consigo minutos, horas do meu dia.

Era tudo tão simplificado e de uma riqueza tão natural e original que os elogios eram fáceis de serem recebidos, que já não eram mais surpresas ou incertezas.

Contudo o tempo passa, a vida percorre caminhos inesperados, novos sentimentos surgem, outros se agigantam, muitas inocências desaparecem, cautelas precisam ser tomadas, novos vocabulários são usados, traumas são criados e não superados e nisto as palavras vão se tornando breves, difíceis e mais lentas.

As frases demoraram mais para serem construídas, os versos já não se encontram facilmente com as rimas, as inspirações não formam contextos poéticos, a leveza dos sons fonéticos já não acalantam e cada dia fica mais complicado qualquer simples palavra.

Sentar para escrever é como se o tempo quisesse roubar de mim algo que nem mesmo sei o que seria, é como se o papel fosse rasgar com cada vírgula, sujar com cada eufemismo, mentir com cada metáfora escrita.

Os olhos já não acompanham o movimento das mãos com a caneta, nem mesmo o movimento dos dedos no teclado. O português surge com erros banais e até indelicados, grandes poetas romancistas parecem grandes tolos. Antes as trovas que acendiam como faróis no cérebro agora são quase que apenas lembranças rasteiras de um tempo distante que se perde com os anos na memória.

A falta de paciência para pensar, para deixar o pensamento livre para criar é permanente, as inconstâncias comportamentais se incorporam em meus textos e tudo fica feio, patético, desconstruído, arruinado por versões de múltiplas personalidades coexistentes que não se alinham, não se definem ou determinam um propósito natural, enfático, imutável.

Foram vinte e sete minutos desde o começo deste relato, até mesmo rápido para quem não mais “transa” diariamente com as palavras, mas passado o desabafo continuo o mesmo vaso, oco com infinitos espaços a serem preenchidos, porém sem as flores necessárias.

Talvez mais um tempo passe e as coisas voltem a fluir naturalmente como nos primórdios da minha escrita e esta seja apenas uma fase desmotivada pelo momento atual decorrente de anos.

Portanto agora me dê uma palavra e continuarei com uma palavra, por minutos, horas, dias, semanas e ainda assim dela extrairei apenas o sutil, o fugaz, o óbvio e nada mais.

Roberta Krev
Enviado por Roberta Krev em 04/04/2019
Reeditado em 04/04/2019
Código do texto: T6615104
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