O HOMEM DA FOTO TAMBÉM SOU EU...*

Nunca pisei em terras nordestinas, quando muito acompanhei a saga da Baleia, e dos degredados sem nome, de Vidas Secas de Graciliano Ramos!
O mais perto que estive do mundo sertanejo, do qual recebi ciência num dedo de prosa, convidado a sentar-me em seu tamborete, foi quando conheci o Carlos, o Carlos Silva, poeta, cantador, das terras de Aporá na Bahia...
Carlos tem um quê de Drummond, tem em si o sentimento do mundo, o seu, de nascimento e batismo, e dos outros, pois é um caminhante, por vezes desterrado, por vezes ave de arribação...
Sua fala é daquelas que descortina o mundo, colocando a mostra seus mistérios, colocando o dedo nas suas feridas, mesmo naquelas que teimam em não sarar... E é alegre, cativante, daquelas vozes e daquelas falas que foram feitas para abraçar!
Chapéu coco na cabeça, camisa florida, calça larga, quando está á paisana, transeunte nas vias das cidades, foi como o recebi quando em visita á minha casa... Noutras vezes se reveste das cores de nossa bandeira, com o violão a tira colo... Este é o Carlos em dia de festa, de cantoria, de arrasta pé! Aquele que vi certa feita em uma apresentação nas noites de Sampa, este é o homem da foto que trago guardada, com encanto, na lembrança!
Enquanto eu sou um homem da cidade, e muito de mim parece inconsistente, Carlos Silva, e os tantos outros nordestinos, trazem em si mesmos o gosto da terra, a tessitura da terra, as marcas da terra... E de sua luta pela sobrevivência!
Homens e mulheres que se transformam em outros homens e mulheres, por fora, e por força das circunstâncias, mas que em seu intimo são tão os mesmos de quando arrebentaram para este mundo... Pessoas marcadas pela força e a pujança de uma coragem inabalável! Espíritos nobres, por vezes tão meigos quanto os de crianças... Mas que constroem nossas cidades, que abrem novos caminhos, que nos verticalizam...
Mulheres de um saber incomensurável, da arte da vida, e o do viver com arte, com pratos variados, com aconselhamentos ancestrais!
Eu sou filho de uma maternidade! - Eles, elas, são filhos da terra, que lhes embrenha entranhas adentro, eles são filhos do ar, que lhes anima a própria alma, eles são filhos da vegetação espinhenta, que lhes sulca a tez, e que os fazem sangrar... E eles são filhos da água! Que lhes trazem pesadelos, e os fazem sonhar!
Eu sou fruto do que me dizem na Tv, no rádio, na internet, eles são filhos do que vivem, do que escutam, do que lembram, do que lhes dá alegria e tristeza em lembrar!
Mas, nós dois somos também iguais nos desejos e nos sonhos, na luta diária, na labuta diária...
Guardando as devidas proporções, de um e de outro, os nordestinos e nós, O Carlos e eu, não somos filhos do mesmo tempo, levados de horizontes á horizontes, pelo que chamamos de destino?
Assim, o homem da foto, que chamo de Carlos Silva, também sou eu!
-Como também o são, os Joãos, os Manueis, os Pedros, os Raimundos, as Marias, as Joanas, e tantos e tantas mais...

*Ilustração: Foto do cantor, poeta, Carlos Silva, retirado da net.

Edvaldo Rosa
www.sacpaixao.net
25/01/2019