Veneno remédio: o futebol e o Brasil

(texto originalmente publicado em junho/2018)

A suada vitória nos acréscimos do Brasil sobre a Costa Rica nesta copa nos faz lembrar o excelente livro “Veneno remédio: o futebol e o Brasil” do interdisciplinar José Miguel Wisnik (professor de literatura, músico, ensaísta). No livro, o autor discute a importância do futebol para a construção da identidade e da autoestima do brasileiro, ajudando-nos a superar o complexo de vira-lata aprofundado com o “maracanazo” de 1950, quando o time do Uruguai calou um Maracanã lotado com perplexos cento e setenta mil torcedores, vencendo com uma heróica virada sobre a seleção canarinha.

O que pouco se sabe no Brasil, o que é explicado pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano em seu livro “Espelhos: uma história quase universal”, é que o time do Uruguai tinha motivos de sobra para superar-se e vencer o favorito Brasil. Antes da copa os jogadores uruguaios tinham travado uma batalha moral e judicial em seu país, em favor da profissionalização e de contratos mais justos para os atletas. Tiveram de fazer greve e enfrentar a ganância de dirigentes e empresários, e nessa luta urdiram a têmpera e a solidariedade para vencer o Brasil naquela memorável final.

Contra a Costa Rica reapareceram alguns ecos daquela final, ainda que bastante mudados. Enquanto o time do Brasil procurou, principalmente com sua estrela maior, levar vantagem com simulações de faltas, o resultado não apareceu. Quando, muito em função da pressão da proximidade do fim da partida, as simulações deram lugar à garra e à objetividade, os redentores gols enfim aconteceram. Simulações buscando vantagens ilegítimas tornam o conjunto frouxo e ineficaz. A garra e a entrega trazem resultados.

Podemos fazer um paralelo entre essa angustiante partida de futebol e a situação do país. Assim como o time brasileiro, cheio de craques e com domínio do jogo mas com muitas oportunidades perdidas, o Brasil também tem muito potencial, mas tem perdido as oportunidades para consolidar-se como uma grande nação. Nossos potenciais são a nossa dimensão continental, as imensas riquezas naturais, a mestiçagem de povos e culturas com relativamente discretos conflitos, um único idioma, uma religião predominante, uma índole inegavelmente pacífica e amistosa.

Nossos erros, que acabam por aniquilar os muitos potenciais que temos, são também numerosos. O maior talvez seja a cegueira de não saber jogar como equipe. O exagerado individualismo de muitos, que na busca de satisfazer um egoísmo insaciável comprometem o desempenho do todo. Ao invés de levarem adiante uma jogada de equipe que beneficiaria o coletivo, procuram a glória e o proveito pessoal, e para isso não hesitam em simulações, fraudes, farsas, e o pior, perdem a cabeça e começam a cometer violências e falcatruas escandalosas.

Pena que, no nosso caso, os juízes pareçam ser irremediavelmente parciais e coniventes, e não contem com o auxílio de um arbítrio supostamente menos tendencioso e suspeito, como o vídeo assistente dos juízes desta copa.

Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/2018/