Sobre ovelhas e rebanhos

Nunca compreendi esse povo que sente necessidade em dividir as pessoas entre boas ou más. Como se fôssemos um rebanho de ovelhas negras e brancas, em que as ‘brancas’ não podem se misturar às ‘negras’, pois elas são “más”. Para eles, não existem meio-termo, nem miscigenação, não pode existir de forma alguma as malhadas ou mestiças. Não existe essa fusão, essa combinação seria horrenda para eles!

Por isso sempre me considerei “malhada”, aquela que não pode ser classificada, que não consegue pertencer nem a um grupo, nem a outro. Eu não sou suficiente boa para conviver com as brancas, nem totalmente má para conviver com as negras, dizem. Permaneço sem rebanho, apesar de todos acharem que vez ou outra pertenço a um grupo. Sinto como se eu tivesse várias naturezas dentro de mim, como receptáculo de tudo quanto quiser, tudo quanto vier.

Mas não me sinto sem personalidade, ao contrário, a minha personalidade é tão forte e tão natural, que é uma extensão do meu ser, meu querer, minha pele e minha alma. Eu Sou. Eu sou uma pessoa complicada, mas me sinto bem por isso. Posso me contentar com o simples, ou não.

Posso ser extremamente sensível, e tremendamente ignorante também. Posso fazer sorrir e chorar, ao mesmo tempo, tanto de raiva, como de alegria. Eu posso fazer tudo isso, concomitantemente. Não sei explicar, só sentir. Só sei agir, às vezes penso, mas não gosto de ter rota previamente estabelecida.

Os meus gostos são peculiares. São gostos que muitos se escandalizariam ao ver, lógico que dependendo diante de qual grupo eu os expor. Dependendo de qual dia, até eu me escandalizo, posso estar num dia de “ovelha branca”. Besteira!

Gostaria de permanecer exatamente como estou, desgarrada, sem pastor, sem guia. Eu gosto de ser meu próprio (des)orientador. Não me importa se eu irei cair num precipício, ou se me machucarei nos espinhos, ou se quebrarei minha perna sem ter ninguém para me acolher. Eu estou disposta a arcar com as consequências, se isso me faz livre. Eu aceito todos os problemas que proveem da minha liberdade auto-imposta. Prefiro toda essa avalanche de destruição verossímil à brisa falsa fantasiada de amável.

Eu estou disposta a aceitar essa minha condição. O meu destino já está em minhas mãos. Só não consigo manipulá-lo à minha maneira. Ele reage como urânio, instável, e a qualquer momento está disposto a destruir tudo à sua volta, inclusive a mim. Mas ainda assim, eu continuo me arriscando, sei que deve existir um modo de dominá-lo. Nada permanece defectível pela eternidade. Até minha natureza. Quem sabe. Será que tudo acabará assim? Será que nunca serei domada? Será que nunca gostarei de pertencer e ser guiada? Será...