Mariano II

Naquela época — nenhum sábado era qualquer — as cinco

horas da tarde a roda etílica entraria em campo contra os

imortais. Como sempre acontecia, Paulinho, o dono da

chapelaria iniciava o jogo: de óculos, ataduras em todo corpo,

examinava a bola com acuidade, uma nike antiética, poderosa

e macia. Mariano, gentleman, destro, estatura mediana, com

sua voz pausada, jogava de ala, tinha drible seco e fino,

conduzia a bola com rapidez, competitivo, esmerava na

perfeição do passe, bem como fazia na pediatria.

Naquela tarde, o sol estava pálido, as nuvens generosas, o ar

ventilava mansamente. Fora da quadra sintética, acontecia —

raramente — mas acontecia. Sua mulher estava lá, com seu

filho, assistindo o jogo enquanto pajeava o filho. Estava três a

dois para os imortais quando uma falta calorosa sucedeu. Um

grito aqui, um palavrão ali, outro palavão acolá, uma pausa

instantânea foi o suficiente para que uma voz macia (fora da

quadra) soasse: - Querido, isto não se fala! Mariano parou o

jogo, colocou a bola presa ao pé direito, olhou-a, ocultando

sua própria alma, respondeu; mas desta vez, voz contida,

celada e firme: - Querida! Aqui é outra pessoa!

Toya Libânio
Enviado por Toya Libânio em 14/04/2019
Código do texto: T6623400
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