Um dia.

Havia um terreno cercado ao lado da rodovia que dava acesso ao bairro dos mortos. Lá jaziam carcaças de fuscas, colheitadeiras, tratores e outros pedaços de coisas. No trevo um posto de combustível desativado. O dono fora preso por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Haviam também dois rottweilers ferozes que latiam querendo romper o alambrado e estraçalhar os caminhantes do fim de tarde. Os carros zuniam. O milharal cobria os dois lados da rodovia.

Era outono. O tempo e o vento de Érico Veríssimo e um ou dois pratos de sopa de fubá com ovo e alho me esperavam em casa. Eu não tinha dinheiro, mulher e nem filhos. Eu não tinha nada além da vontade de viver.

E esta inelutável vontade de viver é que me mantinha em pé, caminhando. O Mundo e suas loucuras passadas diante minhas retinas fatigadas já não impressionava tanto como há alguns anos, ou décadas. Havia adquirido uma frieza diante os acontecimentos, mas a pujança era a mesma dos vinte e três anos de idade. Havia uma força incrível dentro de meu peito que me impossibilitava, na altura do campeonato, de parar para remoer o que quer que seja. Em termos coloquiais, estava calejado, abatido pelos anos de guerra, magro, faminto, desonrado, porém lutando apenas com uma faca entre os dentes e um brilho intenso no olhar. Não desistiria jamais! Mesmo que a terra rachasse e a terceira guerra mundial surgisse com soltados de aço e bombas que derreteriam até almas, carregava dentro de mim o ideal de que no final o bem sempre vence.

E não importavam as barbáries perpetradas pelos maus, muito menos as carcaças e traições que encontramos pelas estradas.

Não importavam a gana e sede de sangue dos algozes e chacais.

Não importavam a velocidade da covardia e crueldade que infectavam o tempo e deixavam o vento com um odor de morte.

Não importavam os devaneios doentios dos que de nada sabem.

O que valia era a vida em si e a ciência de que no fim, meus amigos, o bem sempre vence!

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 15/04/2019
Código do texto: T6623902
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