DE GREGOS E TROIANOS

Cheguei em Salvador, na casa do meu irmão Décio - José Décio Guedes - professor pós-doutor (foi assim que ele me ensinou a dizer quando citasse seu santo nome em vão ou para alguma valia desvalida) e o encontrei estudando Grego. Ele estuda apenas pela necessidade de cumprir os vaticínios de nossa mãe: "Estude!", era o que ela nos dizia nos primórdios do tempo. Ele, obediente, obedeceu. A mim, coube ouvir o que estava escrito nas estrelas que ela traduzia em vaticínio imperativo que toda boa mãe deve ter quando cuida da posteridade filial: "Vagabundo! Você não quer nada com a vida!" E se valia da autoridade de um chinelo para que não houvesse segundas interpretações.

Pois bem: estudando alto e em bom som, o meu irmão fez de mim um atento troiano ouvindo Homero imitar o cego Aderaldo na feira de Caruaru. Só faltou a viola. Perguntei o porquê de ele fazer aquilo comigo, um irmão desatento dos pronomes verbais e veniais, um excluído da Gramatica Normativa Brasileira, um douto da malandragem sem eira nem beira, então ele me respondeu desfilando seus conhecimentos Greco-históricos: "Fi-lo porque qui-lo. Você deixará de ser um bárbaro errante navegante das estrelas! E me obedeça porque senão eu ligo pra mamãe e conto tudo da sua vida pregressa!".

Chantagem. Só chantagem. Foi e sempre será assim. Desde o dia que ouviu a expressão “vida pregressa”, dita por alguém de vida pregressa duvidosa. Qualquer dá cá aquela palha, ameaçava ir às vias de fato: “Vou contar pra mamãe a sua vida pregressa”. E como eu não sabia o que significava vida pregressa, obedecia com a hombridade e altivez dos condenados.

Capitulei. “Vida pregressa” tornou-se meu Cavalo de Troia. Senti o gosto da espada de Aquiles trespassando as vísceras de Heitor. Ó, Homero, venha a mim cantar meus feitos heroicos!

Depois de mais de duas horas ouvindo que as raízes gregas são iguais às raízes brasileiras, diferindo apenas no tipo do solo e na estação do plantio, conforme dizia nosso pai nos estertores do Tempo, saí de casa acreditando que poderia operar um milagre em mim sem precisar frequentar igreja evangélica ou fazer promessa a Padim Ciço Romão Batista: aprender Grego por osmose. Dessa minha curta aprendizagem como ouvinte do mais castiço Grego, cheguei à incrível conclusão que em momento algum a expressão greco-romana "Atecubanos roma" deverá ser lida de trás pra frente em presença de moças castas ou mulheres pudendas, sob o risco de se ressuscitar Páris, Menelau, Heitor, Ulisses e todos aqueles guerreiros que se esconderam dentro de um cavalo, e transformar a sua vida em uma odisseia.

Assim, como os meus cinco leitores podem observar, de expressão em expressão, estou me desbarbarizando lenta e gradualmente, apesar de ter usado no parágrafo acima o palavrão ultra bárbaro “pudendas”. Mas foi por emergência lexical.