Manel, Maneco, Manoel ou, simplesmente, De Barros.
Mas de que barro fora feita tal criatura ? Do barro profundo do rio, da pele cristalina da água, dos peixes, das pedras, dos musgos ?

Água da fonte, passarinheira que é, dissolve até as mais sólidas razões, e disso ele sabia bem. Vivia de saber, instintivamente. De aprender o estudo para desaprendê-lo. De respirá-lo para mudar sua forma.


Manoel não tinha indícios de palavra, era a palavra, sopro sutil da palavra com mestrado em vento. E sabia ser vento, e sapo, e formiga. Sabia ser a linguagem como ninguém.
Acho até que seu corpo de barro falava com a velhice comprida dos peixes, e à noite, quando o vento acariciava a barriga do rio, Manoel se pendurava em suas crinas, e entre as nuvens se semeava corpo-palavra.

 
Ainda hoje quando venta muito e chove muito forte, podemos ver contra a luz, dentro das gotas de chuva, as letras, uma a uma, que Manoel nos manda pra brincar.
 
Dia desses me peguei rindo à toa na chuva, com passarinhos pulando de pingo em pingo. Acho que caçavam palavras com Manoel.
Ah como amo essas criaturas aladas !

 

" Borboletas "
 
Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens
e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta -
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras
do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças
do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidades para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que
os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do
ponto de vista de uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.

( Manoel de Barros )

 
 




 
DENISE MATOS
Enviado por DENISE MATOS em 17/04/2019
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