CURIOSIDADE

Era 19 de abril e a direção havia convidado membros de uma comunidade indígena para apresentarem suas danças, falarem um pouco sobre sua história e, também, para venderem seus artesanatos na escola.

Na sala de aula, antes de começarem as apresentações dos indígenas, os professores faziam uma rápida revisão de tudo que tinham estudado sobre as nações ameríndias. Talvez dessa forma os alunos e as alunas tivessem alguma base para formularem perguntas aos visitantes.

— Pergunta que faça sentido! – advertia o professor.

Eles haviam pesquisado alguns aspectos da vida indígena na atualidade, como a diversidade religiosa entre as nações, os conflitos para a demarcação de suas terras, a existência de grupos indígenas ainda isolados na Floresta Amazônica, a presença indígena em universidades, entre outros temas de grande importância.

“Estão preparados”, pensava o professor.

No entanto, indiferente a essas questões de notória relevância, do meio da sala uma pequena garotinha pede a palavra:

— Tio, como os índios fazem filhinhos?

O professor foi pego de surpresa com aquela pergunta. Em meio a tantos assuntos para se fazer uma pergunta, ela escolhera justamente aquele. Na opinião do professor, todos ali sabiam que os índios eram pessoas como as outras, embora vivessem de uma forma diferente daquelas que vivem nas cidades. E isso deveria ter ficado claro pra ela também. Mas, pelo visto, não ficou.

— Eles fazem filhos da mesma forma que nós fazemos, ora! – diz o professor, abrindo os braços.

— Não é nada – retruca a menina.

— Como não é? – questiona o professor.

— Eles vivem no mato parecendo bicho. Então como é que fazem filhos igual a gente? – insiste ela.

— Eles não vivem no mato parecendo bichos, eles vivem nas aldeias, que ficam no meio das reservas indígenas. E é bom lembrar que antes de nossas cidades serem construídas no Brasil, antes mesmo de existir Brasil, essas terras eram cheias de indígenas e de suas aldeias – ponderou o professor.

Mas aquela aluna de apenas dez anos estava irredutível. Ela não acreditava de jeito nenhum que os índios fossem iguais a todo mundo, que fizessem filhos como o “homem branco”. Aquela menina sempre via nos livros didáticos fotos e gravuras de índios no meio do mato, vestidos de pena, andando nus, com beiços furados e tudo mais. Como poderiam ser iguais a ela? Ela não fora educada para acreditar nisso.

Tendo início as apresentações, o cacique falava um pouco sobre a vida deles, seus trabalhos diários e como eles estavam tentando, junto ao governo federal, demarcar de uma vez as terras onde moravam, pois estavam sob constante ameaça de invasão por parte de alguns fazendeiros.

Enquanto isso, a aluna que fizera a pergunta na sala não tinha se rendido e faria o mesmo questionamento ao cacique. Quando a diretora perguntou se alguém queria saber mais alguma coisa, a pequena Michele levantou a mão. Imediatamente seu professor, desconfiando da pergunta que sairia da boca de sua aluna, pôs a mão no rosto e fechou os olhos, balançando a cabeça negativamente.

— Como é que vocês fazem filhos na tribo? – pergunta a garotinha com um sorriso inocente.

Foi uma gargalhada coletiva. A própria diretora ficou um pouco desconcertada diante da pergunta. Aparentemente o cacique não se ofendeu nem um pouco e riu também.

— Nós fazemos filhos da mesma forma que vocês – diz o cacique. — Lá na aldeia, a gente deita na rede, se enrola nela e vai namorar – responde o índio, bem humorado.

— Eu pensava que era diferente, por que vocês são bem diferentes da gente – complementa a menina.

— Não se preocupe, pois criança sem curiosidade não é criança – comentou ele.

Terminada a parte das perguntas, o professor chega perto da menina e, cantando vitória, fala:

— Eu não disse pra você?

A menina, sem se importar muito com o que seu professor dissera, responde:

— Também, esses daí nem são índios de verdade!

— Como não? – pergunta o professor, novamente intrigado.

— Índio de relógio e camisa? Nunca vi!

Fabio Ferreira S
Enviado por Fabio Ferreira S em 18/04/2019
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