SONHO DE VOAR

Alberto sempre se mostrou precoce. Com cinco anos já dominava, dentre outras coisas, as manhas de como empinar papagaios de papel (pipa ou cafifa). E não parava por aí. Produzia-os, sabendo variar formas, estrutura e rabiolas. Selecionava o melhor material: flecha seca de milho, talisca madura de coqueiro (nem verde nem seca), cola feita com goma e resina colhida nos troncos das árvores, linhas de vários diâmetros e resistência, manivela etc. Contudo, não usava cerol nem levantava papagaio para lutar ou derrubar outro. Era craque em fazer aviõezinhos de papel dobrado. Curtia o prazer de imaginar-se a bordo de suas obras voadoras, observando a vida das alturas. Sempre ganhava competições que objetivavam empinar papagaios a mais alto e mais longe e as que mediam, para os aviõezinhos de papel, o maior tempo de sustentação no ar.

Dormindo, Alberto sonhava que sua cama flutuava como se fora um tapete mágico. Sobrevoava o lugarejo onde vivia. Nas rodas de amigos, incluindo gente grande, sentia prazer em descrever cada detalhe da paisagem que ele imaginava ter visto das alturas. Paravam e faziam silencio para ouvir a descrição detalhada da mata, dos animais, dos córregos e rios, das roças e suas plantações. Até as pessoas trabalhando e caminhando. Seu grande prazer era o sonho de voar!

Aos onze anos, fez sua primeira viagem de avião. Arrepiou-se ao viajar num pequeno bimotor da Real Transportes Aéreos, que fazia a linha Itambacuri-Belo Horizonte/MG. A paisagem sob seus pés não diferia muito da outrora sonhada e fantasiada. Agora, um tanto mais longínqua. Novidade eram as nuvens brancas lembrando chumaços de algodão, dantes nunca vistas em seus sonhos. Olhava ora para baixo, ora para os pilotos. Concebia-os como super-homens, hábeis empinadores daquele grande papagaio de ferro com hélices que o conduzia pelos ares. Nem se incomodou muito com os ouvidos fechados, tampouco com a dor de sinusite que lhe comprimia a face.

Aos treze anos, voltaria a morar em Teófilo Otoni/MG. Tornara-se amigo de Alemão, um engenhoso rapaz quase uma década mais velho, que tinha o aeromodelismo como “hobby”. Passou a ajudá-lo na produção dos pequenos aviões e na pilotagem em pista circular, presos e controlados por dois fios. Alberto ainda exercitava a fantasia de estar a bordo daqueles aviõezinhos.

Adulto, chegou a fazer curso de pilotagem para obter brevê. Ficou inconcluso por não ter como bancar os elevados custos das aulas de voo. Mas, completou a parte teórica. Conhecia bem sobre peças, comandos, instrumentos, engenharia de navegação, linguagem etc.

Com a conivência de amigos donos de monomotores, já no aeroclube de Luziânia/GO, andou fazendo exercícios de pilotagem. Tirava e colocava monomotores no chão.

Aos domingos, frequentava o Aeroporto de Brasília, como se fosse turista. Almoçava por lá e aproveitava o resto da tarde para babar a cada decolagem e pouso. Fotografava as modernas aeronaves estacionadas. Registrava e comentava com amigos a beleza das comissárias de bordo em suas vestimentas e maquiagem. Devotava incrível admiração aos pilotos em seus elegantes uniformes.

Fazia de tudo para viajar de avião. Houve época em que, por força de seu trabalho, era obrigado a se deslocar Brasil a fora. Ao programar suas viagens, sempre escolhia voos mais longos para o mesmo trecho. Com mais escalas e conexões. Aproveitava o tempo a bordo para intermináveis papos com a tripulação. Fez seguras amizades com o pessoal de bordo, comandantes, pilotos, comissários e comissárias.

Não se aguentou de emoção quando viajou a bordo de um Boeing 707, da Varig. Era a aeronave mais moderna da época, com quatro turbinas. Embora leituras de revisas especializadas já lhe houvessem proporcionado informações técnicas sobre aquela maravilha voadora, a emoção lhe arrepiava pelos e cabelos. Nada tão excitante como estar ali dentro presenteando seus olhos com as cores dos assentos, do piso, do revestimento lembrando pele de ovo. Respirava o aroma que mesclava perfumes pessoais e cheiro de carro novo. Antes da decolagem, conseguiu entrar na cabine de comando e apresentar-se à equipe de voo: comandante, copiloto, engenheiro e um americano mecânico da Boeing. Declarou-se piloto não brevetado, mas apaixonado por aviões e aviação. O comandante ainda lhe dera minutos de prosa ao informar ser aquele seu segundo voo comercial no comando do 707. Também entusiasmado, falou sobre muitas das novidades acrescidas ao equipamento.

Decolagem suave, sem surpresas. Enquanto os demais passageiros esforçavam-se para conseguir visualizar do alto o Rio de Janeiro iluminado, Alberto deliciava-se com a oportunidade de estar voando. O destino em perspectiva, Lisboa, Portugal, talvez fosse o maior motivo de alegria para todos. Não para Alberto, cujo prazer vinha do voo, do avião, da proximidade com os comissários de bordo, do ruído das turbinas e até das doses de vinho do porto elegantemente servidas em taça de cristal com a logomarca da Varig. Após saboroso jantar, quase todos dormiam, menos Alberto cujo sono era superado pelo sonho.

Uma semana foi suficiente para nosso apaixonado por aviação cumprir suas obrigações funcionais e aproveitar vesperais para algum lazer. Seu retorno ao Brasil deu-se igualmente em voo da Varig, porém a bordo de um DC-8, quadrimotor a jato, sem dúvida, de seu conhecimento pelas revistas. Fato que pouco reduziu seu entusiasmo e suas emoções.

Alberto, onde estivesse, não se acanhava em admirar um avião, estacionado ou voando. Se a ocasião permitisse, faria o comentário - que até hoje ainda faz – sobre o avião: “essa é a máquina mais linda e perfeita da humanidade. Amo aviões. Mais, ainda, quando estou dentro deles”.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 19/04/2019
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