A MALDITA MOEDA E A PETROBRÁS

É possível relacionar muitos desejos humanos que perturbam harmonia social em nossos tempos. Contudo, fiquemos, como síntese, no dinheiro.

O dinheiro talvez seja a maior desgraça da atualidade. Nada mais se fala sem abordar o dinheiro, do trono de louça, depósito de fezes, à cátedra presidencial ora convertida em depósito da mesma coisa. Seja qual for o assunto, a referência é a moeda. O PIB (produto interno bruto), renda per capita, custo do petróleo, impostos, salários, cartão de crédito etc. A mídia abarrota seus quadros com financistas para comentar e converter em valores monetários qualquer assunto, da chuva ao sangue jorrado nas guerras. Até o pobre roceiro iletrado que, mesmo sem saber assinar o nome, consegue ver dinheiro nas fezes da criação e nos ciscos do terreiro. A agência bancária tornou-se o espaço mais procurado pela população e referência mais conhecida de localização urbana. Isso assim, assim fica defronte ao banco tal. Os templos neopentecostais já andam considerando as vizinhanças de bancos para seus negócios, mesmo sob o risco de explosões de caixas eletrônicos. As empresas que comercializam dinheiro e valores inventaram elegantes salas receptivas – salas VIP - com atendentes selecionadas em concurso de beleza (ou no banheiro) para mais eficientemente atrair clientes de bolso cheio.

Por dinheiro, vende-se quase tudo, ódio e sorrisos, felicidade e tristeza, tapas e beijos, mentiras e tramoias, opinião e juras, tendências e união - esta ainda que hipócrita; cabeças e fofocas, florestas, lagos, rios e seus habitantes. Enfim, compra-se e vende-se a vida dos outros. Dispensa-se a honradez, a honestidade, a sinceridade, o saber, o amor, a família. A comunidade, isto é, a comum unidade virou uma mera alegoria. O mundo hoje está envolvido na disputa da riqueza e no valor artificial dos papéis.

Certa vez li alguém reclamando a falta do índice FIB (felicidade interna bruta) para medir a harmonia social. Permanentemente ameaçadas de extinção ou mudança de rumo estão as empresas e instituições que não têm papéis negociados na bolsa de valores porque seu produto não gera dinheiro, mas o bem estar social, a real riqueza da vida.

Lembro-me que na década de cinquenta do ano passado emergia no Brasil um grupo político acima das siglas partidárias que se pautava no nacionalismo. Fazia-se oposição ferrenha à exploração colonialista de nossas riquezas naturais por empresas estrangeiras e até brasileiras mas suportadas por capital externo, estas últimas devedoras compulsórias de royalties. Compunha o discurso nacionalista da época o descontentamento com a importação de petróleo, mais precisamente, derivados de petróleo, como combustíveis, lubrificantes e produtos básicos para nossa incipiente indústria química. Sem petróleo, curvávamos aos fornecedores pagando-lhes os preços impostos. Mas não era sem chiar.

E foi nesse crescente, altíssono e patriota chio que se instituiu a PETROBRÁS, como monopólio estatal do petróleo. O objetivo era perseguir a autossuficiência na exploração, refino e distribuição de petróleo e seus derivados, principalmente combustível, tido como imprescindível para movimentar as máquinas do desenvolvimento industrial e propiciar à população maior conforto com geração de energia elétrica, alimentar o transporte etc.

A Petrobrás nasceu, pois, para driblar as imposições capitalistas internacionais e exercer uma importante função social. Os discursos no ato de sua inauguração impunham-lhe obsessiva busca da autossuficiência energética baseada em combustíveis fósseis. Assim, passou a incomodar os grupos internacionais. De início, incomodava pouco, pois não acreditavam eles na capacidade brasileira de formatar as necessárias tecnologias setoriais. Ledo engano, passamos a dispensar o refino lá fora. Fizemo-lo aqui mesmo. A reboque desenvolvemos nosso parque industrial químico.

Aplicamos esforços na área de prospecção de lençóis petrolíferos oceânicos de elevada profundidade. Evoluímos e chegamos ao pré-sal. Pronto! Para os que sonharam na metade do século passado em nossa autossuficiência do petróleo, na nossa independência da imposição de preço pelos fornecedores externos atingíamos o máximo. Credenciados estávamos para até dar língua aos concorrentes além oceânicos.

Não fora outro nosso infortúnio ao desprezarmos, nessa euforia, a força dos negociadores de valores, dos donos do dinheiro. Assustaram-se ao ver o Brasil como um país em acelerado desenvolvimento, graduado como grande consumidor de petróleo. E mais: com boa independência energética, graças em grande parte ao monopólio estatal do petróleo.

Não titubearam. Sentiram-se na obrigação de contaminar esse quadro. A ferramenta própria e atualizada era o dinheiro, o moderno negócio de papéis, onde pouco se liga para a produção do bem ou da qualidade social. Se autossuficientes no produto, por que não os fazer dependentes economicamente? Sob a ilusão de injetar capital na Petrobrás para financiar sua modernização institucional, fizeram-se sócios dela e impor-lhe regras de comportamento internacionais, mais focadas na valorização de papéis que no seu resultado social.

Já não mais era nosso o petróleo, muito menos seus derivados. Internacionalizaram nosso combustível, aquele que contávamos para nossa independência industrial, de transporte e locomoção. A Petrobrás agora assemelha-se a uma agência monetária. A eficácia de suas ações está presa ao valor de seus papéis e não mais ao bem estar dos brasileiros que originalmente era seu objetivo.

Ninguém mais manda nela, a não ser o capital internacional. Se houver necessidade de se reduzir o preço dos combustíveis em favor da vida da população, ela não o fará para não perder valor de suas ações.

O capital assim funciona: prefere a morte do pobre para reduzir os custos sociais em sua assistência.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 20/04/2019
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