Amores urbanos
02 de Julho. Chico embalava aquela noite fria e o vinho, já pela metade, inferia o desatino de uma sexta-feira caótica e transgressora. Decidira não mais pensar naquele que a fazia beber. Não valia a pena derramar-se num mar de dúvidas. Decidiu então derramar-se num mar de álcool.
É o que a psicologia chama de “fase do luto”. Esperar para esquecer, esquecer para não lembrar, não lembrar para superar, superar para recomeçar. Um ciclo narrativo e vicioso com um começo, um meio e um fim – inevitáveis.
Freud sabia de tudo. Ah, Freud que se dane!
E bebia.
O presságio do término já a acompanhava desde meados de Abril. Não poderia submeter-se a tantas desconfianças abissais. Cada nova angústia convertia-se em mais um passo rumo àquele túnel que não tinha uma luz no final.
E bebeu.
Entre as lembranças boas da relação no momento alfa e as tragédias que revelavam a decadência, agora na posição ômega, pensava no tempo perdido.
Tic-tac, tic-tac (...)
Embriagara-se.
“Uma geração descartável, minha cara!” Compreendeu a epifania.
Quebrou? Trocamos. Parou de funcionar? Compramos outro. O dinheiro compra e paga tudo! - Mas... mas... "Mas o quê, criatura?" - Não deu certo? Vamos substituir.
A era da fluidez chegara, Amanda. E os carros ainda nem começaram a voar. Seriam os Robôs cópias automatizadas dos nossos corações esfriados e mantidos a -1ºC no freezer de cada caixa torácica andarilha?
As horas avançavam. Havia entendido, por fim, que há apenas uma diferença que separa os humanos desses seres parafusados e de inteligência artificial: a desolação alcoólica.
Canta, Chico. E traz mais um vinho... Em terra de descontentamento afetivo, quem sabe beber é rei.