À todas mulheres que já me iludiram

Se você é mulher — ou homem, quem sabe — e deseja seduzir um homem, tenha em mente o poder da seguinte frase: "você malha?". Estas duas inocentes palavrinhas podem mudar o dia de qualquer moleque espinhento, desmilinguido e de surpreendentes um metro e cinquenta centímetros de altura.

     Até uma certa idade de minha adolescência, eu nem mesmo comprava minhas roupas, no máximo saía de vez em quando com minha mãe para fazê-lo. E nestas saídas eu quase apanhava. A questão toda era a mistura de um gosto nada comum e de uma sinceridade menos ainda. Minha mãe, em conluio com as vendedoras, tentavam me empurrar tudo, tudo para que o chatonildo saísse logo da loja. A vendedora dizia: "olha esta camisa, ficaria linda em você". Minha mãe apoiava: "leva essa, menino, um tecido bom desse...". E eu, sem nenhum pudor, com bravissima coragem e falta de noção, respondia: "ki nada, essa camisa é muito feia!". Minha mãe ria, a vendedora ria, daí eu também ria; mas no fundo no fundo nós três sabíamos que, possivelmente, ou, merecidamente, minhas orelhas seriam punidas mais tarde. E foi assim que eu cresci, na falsa ilusão de que eu era um sujeito, digamos, autêntico — autêntico o suficiente para nunca ser enganado pelas mulheres. Mas ledo engano. 

     Uma coisa sobre os garotos: garotos não se percebem garotos. Ué, mas como assim? Digo, eles não se tocam da diferença entre um garoto e um homem, então, em suas cabeças, esta diferença pode até existir, mas é algo meramente superavel. 

     Próximo do Natal, era comum meus país comprarem roupas novas para eu e meus irmãos, mas aquele ano seria o primeiro em que eu mesmo compraria as minhas. O dinheiro, claro, foi relativamente pouco, porém suficiente para a época. Então lá estava eu, um futuro homenzinho de família, tendo as suas desafiadoras responsabilidades, eu estava na "crista da onda" — como é ridícula esta frase. Eis que chego à loja e há duas atendentes, é a vez da mais linda atender. Depois de um bom tempo olhando as roupas, tudo dava a crer que eu logo sairia sem levar nada, até que se inicia o derradeiro diálogo: "você malha?", perguntou a atendente. O bobão aqui abriu logo as travas, "não, por quê?", dar uma de desentendido, sabe. "Ah tá, parece. Você tem quantos anos?". "Ai-meu-Deus, uma mulher mais velha dando em cima de mim", foi como pensei. "Dezesseis", foi como realmente disse. Logo após, ela dá o xeque-mate: "Nossa, tão jovem e com essa aparência, as meninas vão gostar se te verem com esta roupa aqui", disse pondo uma peça em minha mão. Bom, eu deveria ter visto os detalhes: seu tom, a mudança de tom comparado ao início, o sorriso da sua colega que, em minha cabeça inocente, achei ser de concordância com o elogio, eu deveria ter ao menos me visto no espelho. Mas não, a diaba acertou firme no alvo. Experimentei a peça. Disse que havia ficado boa. Ela disse que imaginava. Sugeriu uma bermuda. Eu comprei a bermuda. Paguei por tudo. Ela se despediu docemente. Eu fiquei vermelho, e lá se foram os míseros sessenta reais.

     Não há problema, eu era um novo homem. Estava forte, orgulhoso, destemido. E algum mal amado até poderia dizer que com a mamãe eu era um tigrão, sem a mamãe, uma tchutchuca. Mas nada disso abalaria o novo homem que havia me tornado. À noite, já no Natal, saio pra rua vestido em meu manto sagrado de gorila da bola azul. Quem, senão eu, era tão macho a ponto de seduzir uma mulher adulta por meio dos dotes físicos? Quem, além do papito aqui, era o terror das atendentes de lojinha? Ninguém. Convenhamos.

    Logo ao sair pra fora de casa, avisto um vizinho dois anos mais novo (!?), ele usa uma camisa muito, mas muito apertada. Ele então se aproxima. Ele me olha, eu o olho, e de sua boca sai uma única frase: "Essa é sua roupa de Natal?". Respondo que sim. "Uma camiseta de academia?". "É, é que vou brincar muito e não quero ficar suado". Ele novamente me olha, eu o olho, e, certamente, em sua cabeça vagava a suspeita de que eu havia sido enganado. Na minha, a certeza de que fui. Entretanto, uma dúvida ecoava sutilmente em meu ser: "será que ele malha?".

Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 22/04/2019
Reeditado em 23/04/2019
Código do texto: T6629605
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