Ciclos

Acabou como uma festa que se encerra ao final de uma noite qualquer. E dessa vez nem foi dado ao sol o direito de nascer. Simplesmente acabou.

É, a gente sabe como funciona. Aos poucos o volume do som vai diminuindo, as cadeiras e mesas são organizadas e empilhadas. Há uma tentativa de recolher, mais que depressa, todo o lixo acumulado, mas é inevitável perceber a cortina de poeira que se forma salão adentro. A essa altura do campeonato, espalha-se mais do que se junta (a faxineira é amadora, uma colher de chá, por favor!).

Acabou. Sim, acabou com a saída dos convidados pela porta principal - e pela entrada de novos anfitriões também.

Acabou porque não tinha mais bebida.

Minto.

Na verdade, contavam-se nos dedos as latinhas que restavam. A comida entrava em escassez e uma fome exacerbada já dava as caras. Olha só... precisava acabar.

Ouvia-se de fora uma faxina silenciosa, mas ritmada.

O tilintar dos metais, o corpo cansado que transitava pelo piso sujo de tantos formatos de sapatos diferentes/dançantes/frenéticos.

Acabou porque em algum momento cansou-se, ou porque cansaram-se, entende? Eu sei que entende.

Acabou porque uma hora toda festa termina.

Ora, que tolice tentar explicar o óbvio! Aqui o acabar é verbo intransitivo.

Vem cá, pensa comigo: imagina o delírio de viver um ano inteiro de carnaval?

Os primeiros meses trariam um arrebatador vigor jovial necessário para dar conta dos bloquinhos, confetes e serpentinas. Ah, Seria maravilhoso!

Mas os brilhos - aqueles brilhos infernais que grudam até no couro cabeludo - então, não suportaríamos os brilhinhos durante muito tempo. Até os "compañeros" Los Hermanos já tinham avisado que todo carnaval tem seu fim. Por que seria diferente?

Acabou e precisava acabar, para que o corpo sentisse o sabor da saudade, o cheiro da vontade e o desejo de viver novamente a primazia de novos momentos festivos. Acabou para reformar a pista principal do salão, aquela das cores, das emoções... é, a do flerte. Você conhece bem.

Acabou porque a vida é cíclica, e por falar em vida, acabou porque a vida também acaba. Não se pode esperar.

Tanta explicação me consome o juízo: acabou porque tinha que acabar.

Agora permita-me a retirada, ainda há muito para se fazer. No bairro intempestivo do meu coração festas acabam para que outras (re)comecem. Já encomendei o gelo seco e o jogo de luzes - o jogo dos corpos é só consequência - e, desculpe, mas dessa vez você não foi convidado.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 22/04/2019
Reeditado em 22/04/2019
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