O Sr. Tempo.

O meio dia é o único momento em que se pára para o dia. Sem pirar, a hora do almoço e da cesta é o recomeço do guerreiro.

Na rua um motoqueiro passa velozmente conduzindo sua Honda XL 250 1984, tanque azul, imponente como um cavaleiro montado em seu corcel negro na baixa Idade Média. Na casa em frente acontece uma reforma, que, segundo os passantes e fofoqueiros do bairro, é a primeira após a morte da velha. Dois pintores lixam paredes em máquinas manuais.

O barulho é ininterrupto e irritante, aliado a este a motosserra da marcenaria ao lado quase que mastiga os nervos de quem tem que pensar e digitar, digitar e pensar, pensar e digitar, beber água, urinar e fumar, e voltar a pensar e digitar, a digitar e pensar, num maquinismo enlouquecedor para quem não está acostumado.

E, ao meio-dia ensolarado, em meio a isso tudo, velhos cansados carregando sacolas de supermercados, atravessando a esquina da Jacinto com a Felizardo, em meio àquelas senhoras agarradas em seus guarda-sóis desbotados e descompassados pelos ventos, lentamente ultrapassando a barreira do tempo, num tentador momento sombrio de outono em abril de um ano qualquer, onde pensa-se que, sinceramente, a vida vale a pena, vale a pena tentar por mais algum tempo, pois é só ele, o Sr. Tempo, o único e último a nos dar a certeza de tudo, desde as coisas, as gentes, os céus e os infernos.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 24/04/2019
Reeditado em 25/04/2019
Código do texto: T6631361
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