Que passa a nossa volta?

Em 1970, fui apresentado ao futebol. Tinha dez anos e embora jogasse com os meninos da rua, pra mim era apenas brincadeira de criança. Numa tarde de domingo estava sonolento em algum cômodo da minha casa, que não tinha televisão, quando começou um foguetório e uma gritaria revelando muita alegria. Sai para o quintal, que era acima da rua, a tempo de ver os vizinhos se abraçando enquanto o céu ficava "coalhado" de balões multicoloridos. Foi assim que passei a perguntar e descobrir que existiam vários clubes de futebol e de quatro em quatro anos havia um campeonato mundial conhecido como Copa do Mundo. Não sabia de nada disso. Meu pai, rigoroso presbítero da Assembléia de Deus, nos mantinha, eu e meus irmãos, a margem das armadilhas "deste mundo enganoso". Minha curiosidade começava a dar algumas aulas.

Neste mesmo ano ouvi falar que haveria o "censo do IBGE"; quis saber do que se tratava; a melhor explicação que recebi foi que todo o povo brasileiro deveria ser contado. Quis saber pra que, mas fiquei sem resposta.

Enquanto aguardava o próximo censo, cresci, li e descobri que o instituto fazia outros levantamentos: sobre doenças, crianças, jovens, idosos, mães, pais, remédios, automóveis, empregos, empregados e outras estatísticas que orientavam os governantes a respeito de produção de alimentos, construção de hospitais, escolas, estradas, abastecimento de alimentos e tudo mais que dissesse respeito "ao seu povo".

Já aguardava o censo de 1990 quando li uma pesquisa informando sobre "quem mais traía? o homem ou a mulher?". Por vezes me perguntei qual a utilidade dessa pesquisa. Seu resultado foi explorado maliciosamente pela imprensa, o que me deixava ainda mais desconfiado. Tempos depois fiquei sabendo que essas informações dão ao governante o conhecimento necessário para saber quem são seus governados, como levam suas vidas. Um déspota não se importaria em moldar seu povo conforme seu pensamento, entretanto um governo democrático, irá se adequar aos costumes de sua gente mantendo sua liberdade e dirigindo-os dentro da legalidade.

Enquanto esperava o Censo 2000, li uma matéria sobre o ataque estadunidense sobre Hiroshima e Nagazaki. O Exercito dos EUA fez uma pesquisa antes de perpetrar o ataque, para descobrir qual seria o melhor alvo. Deveria ser um alvo tal que permitisse um acordo de paz no futuro, por isso nenhum membro da família imperial poderia ser atingido e nenhum templo budista ou xintoísta poderia ser destruído; segundo essa matéria, que foi publicada na Revista Veja (1995/96). A matéria informa que, ao final, as cidades bombardeadas foram as que tinham a maior concentração de cristãos.

Fiquei convencido da importância da informação, até porque logo após as bombas e a rendição incondicional do Japão, este país e os EUA passaram a trabalhar conjuntamente e até hoje são aliados.

De repente temos um novo governo no Brasil. Entre outras falas do Ministro da Fazenda propondo retirar dinheiro da educação profissional, há outra questionando os custos das pesquisas do IBGE. Sabe-se que no próximo censo haverá menos dinheiro e menos questões nos formulários; consequentemente, menos informações.

Agora assistimos, espantados a proibição de uma peça publicitária do BB, seguida pela demissão do diretor de publicidade, sem se importar com os valores investidos. Imagino que o diretor de publicidade, sendo do ramo, encomendou uma pesquisa buscando identificar o tipo de público que desejava atingir - jovens brasileiros desejosos de investir em "fintechs" (modalidade de investimentos pela internet) - daí os personagens: jovens, negros e brancos, com roupas e cortes de cabelo inusitados, travestis, tatuados e outras figuras que gente da minha idade até estranha, mas que estão dentro das nossas casas, afinal são nossos sobrinhos e sobrinhas, enteados e enteadas, netos e netas e mesmo nossos filhos e filhas.

O presidente informou que proibiu porque os personagens não representam o povo que quer atingir; então de onde trouxeram pessoas com aquele perfil, seria da Groelândia? Não; são apenas pessoas da nossa sociedade atual; deveriam ser mais considerados. São essas as pessoas que estão a nossa volta.